Política

Dino, as emendas e o retrocesso da política brasileira

Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) | STF/Câmara dos Deputados
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) | STF/Câmara dos Deputados

Rio de Janeiro - O impasse envolvendo o ministro Flávio Dino e as emendas parlamentares é um reflexo claro do retrocesso do sistema político brasileiro. Em um momento em que o país deveria estar avançando rumo a uma democracia mais eficiente e justa, o que vemos é um sistema obsoleto que se alimenta da corrupção e do fisiologismo. As emendas parlamentares, em vez de serem ferramentas de desenvolvimento e justiça social, transformaram-se em instrumentos de barganha política que beneficiam apenas aqueles que já estão no poder, perpetuando o ciclo vicioso de impunidade e clientelismo.

Desde a redemocratização, o Brasil tem se perdido em acordos escusos, nos quais o orçamento público serve como moeda de troca para garantir apoio político e sustentar interesses pessoais. Em vez de direcionar recursos para necessidades reais da população, as emendas são utilizadas para consolidar poder, aumentar o controle sobre os recursos e financiar projetos que, muitas vezes, não atendem a nenhuma demanda concreta da sociedade. O sistema político brasileiro, ao invés de ser um motor de transformação, está estagnado e blindado, servindo apenas àqueles que dominam o jogo político.

O debate sobre as emendas — individuais, coletivas, de bancada ou de relator — não é apenas uma disputa entre Poderes, mas uma questão crucial para a qualidade da democracia e para a transparência no uso do dinheiro público. Em tese, essas emendas deveriam ser instrumentos para garantir o desenvolvimento regional e atender demandas locais. Na prática, contudo, transformaram-se em ferramentas de clientelismo, operações nebulosas e, muitas vezes, moeda de troca política. 

O ministro Flávio Dino tem sido alvo de críticas intensas por tentar estabelecer mais clareza e controle sobre a utilização dessas emendas. Por outro lado, o Parlamento se apressa em acusá-lo de interferir em suas prerrogativas. Contudo, é importante lembrar, prerrogativa não é cheque em branco. Quando o Legislativo defende com tanta veemência a manutenção de um sistema opaco, é legítimo questionar os motivos por trás dessa resistência. Que tipo de representante popular se recusa a prestar contas sobre como está gastando o dinheiro do contribuinte?

Essas perguntas são reveladoras de um sistema que não avança, que se perde em disputas internas e que beneficia apenas quem já detém o poder. A reforma política, portanto, não é uma questão de conveniência, mas de necessidade urgente. O modelo de presidencialismo de coalizão, que historicamente tem se baseado na troca de apoio político por recursos orçamentários, não apenas fragiliza o Executivo, mas cria uma distorção do papel do Legislativo, comprometendo as bases democráticas. Esse modelo fragmentado e descentralizado do orçamento público transforma o processo de governar em uma negociação de interesse que muitas vezes não considera as reais necessidades da população.

O caso das emendas de relator, popularizadas pelo “orçamento secreto”, apenas potencializa as distorções já existentes. Esse modelo concentra poder excessivo nas mãos de poucos, permitindo a destinação bilionária de recursos sem critérios objetivos e com pouca ou nenhuma transparência. O STF, ao exigir maior transparência, expôs como o Congresso tem reagido a essa intervenção, acusando-a de judicialização da política. Mas será que a falta de transparência e a manutenção de um sistema opaco são realmente os pilares de uma democracia sólida?

A reforma política deve ser encarada como uma prioridade. Não podemos mais aceitar o ciclo vicioso da barganha política sustentada por recursos orçamentários. A reestruturação do sistema de emendas é uma das mudanças mais urgentes. Emendas individuais e de bancada podem ser mantidas, desde que vinculadas a projetos com planejamento e metas claras, fiscalizadas por órgãos independentes. Já as emendas de relator precisam ser extintas, pois sua existência é incompatível com os princípios democráticos de transparência e controle social.

A reforma do sistema partidário também é fundamental. Com mais de trinta partidos representados no Congresso, a fragmentação é um terreno fértil para o fisiologismo. A unificação de legendas e o estabelecimento de cláusulas de desempenho mais rigorosas podem ajudar a reduzir a instabilidade e a dependência do governo em relação a pequenos grupos de interesses. O sistema eleitoral também deve ser revisto. Modelos como o distrital misto podem ser uma solução intermediária, equilibrando representatividade local e visão nacional. E por que não avançar mais? Que tal criar mecanismos de participação direta da população na destinação de parte do orçamento, como já foi experimentado com sucesso em algumas cidades?

Não nos enganemos, resistência não faltará, aqueles que se beneficiam do sistema atual farão de tudo para mantê-lo. Como cidadãos, também temos um papel a desempenhar. Pressionar por transparência, cobrar de nossos representantes e rejeitar aqueles que tratam o mandato como um balcão de negócios são ações que podem transformar essa realidade. A mudança exigirá coragem e determinação, pois desafiar um sistema tão profundamente enraizado não será fácil, Mas é essa esperança que deve nos mover.

Flávio Dino, ao enfrentar esse debate, não está apenas cumprindo sua função no STF, ele está desafiando um dos mais nefastos pilares da cultura política brasileira. A história nos ensina que avanços significativos só acontecem quando alguém ousa questionar o status quo. Agora, cabe a nós decidir se queremos ser espectadores dessa transformação ou protagonistas dela?