Frentistas de postos de gasolina e motoristas de carros de aplicativo são algumas das novas profissões que mais absorvem trabalhadores que não encontraram em suas atuações de origem um meio possível de subsistência. Esses novos empregos, que não exigem um amplo conhecimento técnico para o seu manejo e são indiferentes ao passado profissional de seus funcionários, têm concentrado, por exemplo, algumas das pessoas que até então encontravam na pesca um modo de ganhar a vida.
Mais especificamente, aqueles que levavam adiante, de modo artesanal, e com um saber passado de pai para filho, um ofício que atravessou muitas gerações, colaborando para o sustento de uma comunidade inteira. Trata-se da pesca artesanal de mexilhões no município de Niterói, sobretudo nas três localidades onde até hoje muitos marisqueiros vivem dessa prática: Jurujuba, Boa Viagem e Centro.
Atenta a esse fenômeno contemporâneo e com a preocupação em preservar esse know-how, que constitui uma marca da cultura da região niteroiense, a doutora em Ciências Biológicas e professora da UFF, Eliana Mesquita, desenvolveu o projeto “Futuro Próspero da Produção de Mexilhões em Niterói: da Tradição ao Dinamismo”, que reúne pesquisadores da universidade para atuar no desenvolvimento econômico e social da maricultura. A iniciativa faz parte do Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA), parceria da Universidade com a Prefeitura Municipal e que conta com o apoio da Fundação Euclides da Cunha (FEC).
O reitor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega afirma que o PDPA, parceria realizada antes da pandemia, se tornou ainda mais importante no atual cenário, para a retomada econômica de Niterói. “A UFF está dedicada e atuante, por meio de diferentes projetos, para que o município avance e se recupere o quanto antes. A iniciativa da pesca artesanal contribui de forma direta para a geração de emprego e renda, ação muito importante em um momento em que as pessoas estão passando por grandes dificuldades”.
Entre os principais objetivos do programa, destacam-se o monitoramento da qualidade higiênico-sanitária dos mexilhões produzidos no município de Niterói, a disseminação de informações, também sobre empreendedorismo e de caráter financeiro, para o grupo de marisqueiros, atividade tradicional do município e, por fim, a criação de uma unidade de beneficiamento de moluscos que levaria à melhoria das condições de trabalho e segurança do alimento.
Eliane explica que o projeto almeja se expandir por diferentes frentes de trabalho. Uma delas é a de auxiliar na sobrevivência das comunidades, com seus respectivos saberes e culturas. Segundo ela, “estas localidades se mantêm com dificuldades, sob influências de inúmeras mudanças ambientais e sociais ao redor”. A professora enfatiza que o conhecimento transmitido geracionalmente é de extrema importância para o presente e o futuro da produção de moluscos bivalves de forma sustentável e rentável para essas populações. “Nosso projeto atuaria de forma a preservar a atividade, que é de grande importância para o município, evitando o êxodo dos filhos de pescadores, que buscam outras formas de subsistência”.
De acordo com a docente, “é fundamental agir para a preservação da identidade dessas comunidades como produtores de alimentos de alto valor nutricional e importantes para os turistas que aqui chegam em busca de uma gastronomia própria da região”. Com foco também no potencial turístico da atividade no município, a pesquisadora enfatiza a relevância de atuar em torno da mudança de visão da população sobre os mexilhões: “existe um preconceito muito grande em relação ao produto por parte dos consumidores devido à poluição da Baía de Guanabara. É sabido que os moluscos bivalves são mundialmente usados como indicadores de poluição ambiental por serem organismos filtradores”.
Nesse sentido, o programa auxiliaria no fornecimento de condições para a melhoria da qualidade do pescado, que muitas vezes sofre com a contaminação por petróleo e outras substâncias. Por meio de treinamentos e do fornecimento de estruturas adequadas às necessidades da atividade, melhores condições para a prática de uma maricultura mais racional foram criadas, concentrando a atividade em áreas mais limpas, não contaminadas, e seguindo as exigências da Vigilância Sanitária. “É fundamental mostrarmos que isso vai fazer com que o produto deles tenha um valor muito maior de mercado”, explica Eliane.
Para outro integrante da iniciativa, o doutorando do Programa de Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal da UFF, Carlos Eduardo de Freitas Guimarães Filho, “participar do projeto trouxe muitos novos aprendizados e experiências, além de colaborar para a dissertação de mestrado que desenvolvi, na qual trabalhei com análise de contaminantes biológicos em mexilhões, antes e após a depuração, oriundos de maricultura das baixadas litorâneas do Rio de Janeiro”.
De acordo com ele, dentre os diversos benefícios proporcionados pelo projeto, destaca-se o fato de ele levar conhecimento científico para o cotidiano das pessoas diretamente afetadas por ele, proporcionando a construção de políticas públicas, melhores condições de trabalho, assim como uma boa qualidade de vida para a população local. Carlos finaliza contando que um momento marcante de toda essa experiência foi a expressão de contentamento no rosto de um marisqueiro, quando soube que o projeto iria melhorar as condições de trabalho e de vida dele e de sua comunidade.
Por UFF