No verão, se refrescar é uma prioridade para suportar as altas temperaturas. Em função disso, o consumo de energia elétrica tende a crescer bastante nesse período do ano. A pandemia de COVID-19 também fez com que grande parte da população ficasse mais tempo em casa e, por consequência, reforçou o aumento do gasto de energia. Segundo a Resenha Mensal, publicada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em outubro de 2020, todas as regiões brasileiras registraram alta de 3,5% em relação ao mesmo mês de 2019. Além de impactar a conta de luz do brasileiro, esse aumento também está relacionado à possibilidade de racionamento.
O meteorologista e professor do Departamento de Engenharia Agrícola e do Meio Ambiente da UFF, Márcio Cataldi, explica que o sistema de abastecimento elétrico do Brasil é basicamente hidrotérmico-eólico e para haver uma distribuição correta entre as regiões, é preciso que existam linhas de transmissão de energia e intercâmbio entre essas linhas. “A falta de planejamento e investimento em transmissão de energia causaram o racionamento que ocorreu em 2001. Depois disso, medidas foram tomadas e atualmente é possível transportar energia de um sistema para o outro. Entretanto, nos últimos 15 anos está ocorrendo uma diminuição generalizada de chuvas nas principais bacias do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, o que traz de volta a preocupação com o abastecimento elétrico”.
“Informar amplamente a sociedade sobre a necessidade de diminuição do consumo elétrico é muito importante. Só assim é possível evitar um apagão” – Márcio Cataldi.
Segundo Márcio, essa falta de chuva crescente está diminuindo as vazões dos rios, que indicam o nível de água a ser utilizado para a geração de energia. Ou seja, quanto menor a vazão, menos capacidade de produzir energia. Também acontece uma provável perda de atividade das monções da América do Sul, que são os sistemas que definem e distinguem os períodos secos e úmidos. A diferença no nível de água entre esses intervalos está cada vez menor. “As mudanças de tipos do solo provocadas pelo desmatamento da Amazônia também influenciam na diminuição da umidade necessária para a precipitação. Além disso, outro ponto grave é que hoje a quantidade de chuva necessária para aumentar o nível de água é muito maior do que na década de 90, por exemplo, já que a diminuição das vazões quando a chuva acaba está mais acelerada do que antes”, ressalta.
Essas problemáticas levaram os reservatórios de água a uma condição crítica de armazenamento e as previsões para esse ano são preocupantes, de acordo o meteorologista. “Em dezembro de 2020, tivemos um nível alto de precipitação, mas em janeiro de 2021, um mês que tem as maiores médias de chuva, fortes anomalias negativas no clima prejudicam o aporte necessário para auxiliar na recuperação dos principais reservatórios. Somente com um volume muito alto em um curto período seria possível reverter o racionamento e diante dos modelos de previsão de chuva que temos, mas essa probabilidade é pequena. Ainda que as usinas termelétricas – que não precisam de chuva pois usam o calor como gerador de energia – estejam em pleno funcionamento, elas colaboram com cerca de 30% do abastecimento e isso não supre toda a demanda do país”, relata Márcio.
“Para a população fica o alerta: observem as bandeiras na conta de energia elétrica e percebam como as tarifas estão aumentando. Junto com elas cresce também o risco de desabastecimento” – Márcio Cataldi.
O professor salienta que o risco de racionamento no abastecimento elétrico afeta a economia de diversas formas. “Em um primeiro momento, por conta das taxas tarifárias maiores que tentam minimizar o impacto do consumo elétrico. Estas tarifas existem para estimular a diminuição da utilização. Quem gasta menos energia entra na faixa tarifária de menor valor. Em um quadro mais drástico, no qual a população não diminui o consumo de energia, poderia haver inclusive corte de carga, tornando essa situação mais crítica do que a de 2001. Ou seja, pode haver a interrupção temporária do suprimento de energia elétrica através do desligamento automático ou manual, de linhas de transmissão ou de circuitos de distribuição. Além dos impactos estruturais que atingem diretamente o cidadão com a oscilação no abastecimento elétrico, o apagão traz um ônus econômico capaz de mexer, inclusive, com o risco Brasil. Em uma economia já fragilizada, seria um grande declínio”.
Para solucionar esse quadro, Márcio alerta que é necessário focar em projetos de expansão das energias renováveis e, principalmente, no trabalho de conscientização da população. “Informar amplamente a sociedade sobre a necessidade de diminuição do consumo elétrico é muito importante. Só assim é possível evitar um apagão. Infelizmente os órgãos governamentais estão descartando a possibilidade de racionamento de energia, o que é temerário já que esse é um risco real levantado por estudos científicos. Cabe a essas instituições que abandonem a postura política, priorizem e discutam o tema em um nível técnico adequado para evitar de fato o racionamento. Para a população, fica o alerta: observem as bandeiras na conta de energia elétrica e percebam como as tarifas estão aumentando. Junto com elas, cresce também o risco de desabastecimento”, finaliza.