O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta quinta-feira (3), o alcance da liminar que limitou a realização de operações policiais em comunidades do Estado do Rio de Janeiro durante a pandemia da covid-19, no julgamento de embargos de declaração na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635. Entre outros pontos, o Plenário determinou que o estado encaminhe ao STF, em até 90 dias, um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança.
O Plenário salientou a importância do tema e identificou, no Rio de Janeiro, situação de práticas policiais que contrariam os direitos e os deveres estabelecidos na Constituição Federal, o que levou à determinação das medidas desse julgamento. Os ministros observaram que a matéria diz respeito aos direitos humanos e está relacionada aos direitos à vida e à segurança pública, que devem ser assegurados pelos órgãos de segurança e pelo Estado.
Também foi estabelecido que o uso da força letal por agentes do Estado só deve ocorrer depois de esgotados todos os demais meios e em situações necessárias para a proteção da vida ou a prevenção de dano sério, decorrente de ameaça concreta e iminente.
Plano
A partir dos debates, o colegiado deliberou sobre o alcance das medidas propostas pelo relator, ministro Edson Fachin, que, na maioria dos pontos, foi seguido por unanimidade. Uma delas é a elaboração do plano, que deve conter medidas objetivas para a redução da letalidade policial, cronograma e previsão dos recursos necessários para sua implementação.
Observatório
Também foi unânime a adesão à proposta de criação de um observatório judicial sobre polícia cidadã, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para acompanhar o cumprimento da decisão liminar. O grupo será formado por pesquisadores e representantes do STF, das polícias e das entidades da sociedade civil, a serem designados pelo presidente do Tribunal após a aprovação de seus integrantes pelo Plenário da Corte.
Prioridade nas investigações
Todos os ministros reconheceram a necessidade de priorizar investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças e adolescentes e decidiram pela obrigatoriedade da disponibilização de ambulâncias em operações policiais em que haja possibilidade de confrontos armados.
Inviolabilidade do domicílio
Nos pontos que tratam desse tema, a Corte determinou que mandados judiciais de busca e apreensão somente devem ser cumpridos durante o dia e que sejam justificados e detalhados, de modo a instruir auto de prisão em flagrante ou de apreensão de adolescente. Os ministros também proibiram a utilização de domicílio ou imóvel privado como base operacional das forças de segurança, sem que sejam observadas as formalidades necessárias para requisição administrativa. Todas essas diretrizes devem ser observadas durante a pandemia, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente policial.
Excepcionalidade das operações
A maioria da Corte seguiu o ministro Edson Fachin no ponto em que determinou que, até a elaboração de um plano mais abrangente, o emprego e a fiscalização da legalidade das ações sejam feitos à luz dos princípios básicos sobre a utilização da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei. Segundo ele, deve ser observada a excepcionalidade da realização de operações policiais, cabendo aos órgãos de controle e ao Judiciário avaliar as justificativas apresentadas quando necessário. Nesse ponto, ficou vencido o ministro André Mendonça
Sob à mesma ótica, o relator salientou que apenas se justifica o uso da força letal por agentes do Estado quando esgotados todos os demais meios (inclusive o uso de armas não-letais), em situações necessárias para proteção da vida ou prevenção de dano sério, decorrente de uma ameaça concreta e iminente. O ministro André Mendonça também divergiu nesse ponto.
GPS e câmeras
Ainda de acordo com o voto do relator, o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 dias, deve instalar equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos arquivos. Nesse ponto, divergiram os ministros André Mendonça e Nunes Marques.
Sigilo dos protocolos
Alguns itens propostos pelo relator foram refutados pela maioria, em divergência apresentada, inicialmente, pelo ministro Alexandre de Moraes, que considerou necessária a manutenção dos sigilos de todos os protocolos de atuação policial no estado. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, que entendiam que essas informações devem ser públicas.
Denúncias anônimas
Também por maioria, os ministros da Corte entenderam que informações obtidas por meio de denúncias anônimas podem ser utilizadas como justificativa para o ingresso em domicílio sem mandado judicial, desde que possam ser justificadas posteriormente. Vencido, o relator considera que as denúncias anônimas, apesar de indispensáveis ao trabalho policial, não podem justificar a busca domiciliar sem mandado.
Gaesp
Em outra divergência apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes e seguida pela maioria, ficou definido que, em razão da autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, não é possível ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) avaliar a eficiência e a eficácia da alteração promovida no Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público estadual (MP-RJ). Ficaram vencidos, no ponto, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Descumprimento
Por fim, a Corte entendeu que cabe ao MP estadual investigar possíveis descumprimentos da decisão do STF sobre as restrições às operações policiais. Divergiram os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, para quem caberia a atuação do MP federal.