Coluna Leonardo Rivera

Angela RoRo foi grande presença na Geração Duerê

Cantora também foi pianista, compositora e agitadora de vidas

Angela RoRo | Reprodução
Angela RoRo | Reprodução

Angela RoRo nos deixou nesta segunda-feira (8) e nada vai mudar isso. É um choque de realidade para quem, entre umas biritas da mãe e a vitrola da irmã, foi ouvinte feroz dessa voz diferente e comportamento inquieto. Fui uma criança que cresci na base da RoRo na vitrola. Todos lá em casa gostavam do primeiro disco dela, da PolyGram, de 1979. Meu pai adorava as baladas, a minha mãe também. A artista cativou tanto (e minha casa era movida pelo aparelho de som ‘três-em-um’ da sala) que os outros álbuns que RoRo ia lançando, ano após ano, eu ia encontrando na discoteca particular da minha irmã (que eu já futucava, escondido, no quarto dela, e que minha mãe protecionista deixava entrar, só ela tinha a cópia da chave). Esses vinis estão todos aqui comigo, graças a Deus. Relíquias.

O tempo foi passando, comecei a escrever pra jornais da cidade (Lig, Jornal de Icaraí) e frequentar shows em casas como Nó na Madeira e Duerê. Estamos falando de 1989, 1990. Eu era menor de idade, jornalista, e no mundo de hoje seria impensável um menor de idade com crachá e uma coluna de entretenimento nas mãos, mas foi desse jeito deliciosamente torto que tudo brotou no meu caminho de vida. E foram os saraus de poesia e os shows de Nikiti que me fizeram sair pra rua, dos 14 anos em diante. A desculpa era que eu ia ‘cobrir o evento’, e foi aí que vi a Angela pela primeira vez ao vivo. Aquela cantora que eu costumava admirar nos discos de vinil da sala e do quarto da minha então jovem irmã, se materializou na minha frente.

Angela RoRo | Reprodução

Eu fui ao bar da Marilda Ormy, hoje diretora do nosso Theatro Municipal de Niterói, que se chamava Duerê, lá em Pendotiba, e o local costumava receber a nova geração de músicos da cidade, entre os quais Arthur Maia, Cláudio Infante, Beth Bruno, Kiko Lattanzy, Fátima Guedes e Marcos Hasselmann, por exemplo. E a Angela estava sempre lá , fazendo temporadas de três dias, em uma intensa relação com Niterói. Reza a lenda que ela namorou a irmã de uma famosa atriz da Globo e, numa briga, empurrou a companheira de seu Fusca em movimento na estrada Rio-Petrópolis. Mas o que vale aqui é falar o quanto ela era genial, engraçada, irônica, cínica, debochada, jamais perdia a piada, rápida no gatilho e que voz! Como tocava piano! Desde pequeno sou impressionado com a RoRo.

O mais próximo que cheguei dela nesse auge da minha existência juvenil enquanto ser pensante foi em 1991, no Piggly Viggly (uma casa de shows que ficava no ponto onde funcionou a Madame Kaos e agora chama Bendito). Me lembro que Djalma Amaral era iluminador da casa, eu era o Assessor de Imprensa e o programador musical era Cláudio Salles. Que incrível foi aquele momento, teve um show da Angela que eu convidei minha família inteira pra ir, acho que até minha ex cunhada, a artista Gisela Peçanha, também. Ou seja: eu trabalhando como assistente de produção e assessor de imprensa, aos 16, toda minha família em uma das principais mesas em frente ao palco.

Aí acaba o whisky da Ângela, a garrafa ficava ao lado do piano. O dono da casa, ao meu lado, viu ela pedindo pra alguém levar outra garrafa pra ela. No palco. Ali, naquela hora. Pra ela continuar o show. Angela era assim.

Eis que o chefe me colocou nessa enrascada. Lá fui eu fazer este papel, quando ela me viu, no improviso, soltou na hora: “Gente, vocês mandaram um Menudo me entregar o whisky aqui no palco, que isso? Aqui não é o Xou da Xuxa, não!”. E logo me despachou do palco, porque aquele lugar era dela. Eu lembro que ri, fiz o autodeboche que tanto me ensinou minha madrinha Lee, mas fiquei vermelho da cabeça aos pés, por dentro puto da vida, mas desci do palco e ela continuou o show, belíssima. Depois, no camarim, acho que conheceu parte da minha família e se desculpou pela brincadeira com aquele sarcasmo inimitável dela.

Depois, muito mais tarde, estive com Angela de novo. Ela lançava seu álbum Compasso, já sem beber, e fez um show no Teatro Municipal. Fui com a Lilia Felippe, da turma niteroiense da RoRo desde os anos 80, e ela me levou no camarim. Era outra Angela, sem beber, desinchada, mas ainda assim potente e criativa. Engraçada e bem simpática. E, depois, a gente só se falava pelo Facebook, as vezes.

Tive vontade de fazer um livro sobre ela, depois que escrevi o do Seu Jorge. Mas RoRo imediatamente me ameaçou (e era sério): “Nem tente que eu mando meu advogado atrás de você”. Para evitar a fadiga, esqueci a ideia do livro. Dessa vez, já mais maduro, não fiquei puto. Entendi o gênio da moça e segui ainda mais fã de sua existência, comportamento errático, voz, humor e obra. Um salve pra RoRo, grande amiga de Cazuza.

Só não vou ficar dizendo que Cássia Eller recebeu RoRo no céu e essas baboseiras todas porque nem acredito nisso. O que se leva da vida é a vida que se leva e, errada ou não, tudo é julgamento pra quem fica e pra ela foi vida vivida. E agora ela completou a obra dela, que foi sua vida. Então obrigado a Angela RoRo por tanta abertura de cabeças e caminhos. Transgressora, sim, com aquele toque de humanidade e arte. Única.

Obrigado, querido leitor, e até a próxima coluna. A vida é bela. Só nos resta viver!

Leonardo Rivera

Atuante no jornalismo fluminense desde a adolescência, Leonardo Rivera teve passagens por jornais de sua cidade, Niterói – como os saudosos LIG e Opinião, além do diário A Tribuna. Tornou-se diretor artístico da área musical no final dos anos 90, tendo trabalhado na Universal Music com grandes nomes da nossa música, e em seguida criou um selo para novos talentos. Também se tornou escritor, ao lançar a biografia sobre Seu Jorge (2015) e participar da equipe da autobiografia de Luiz Fernando Guimarães (2022). Segue dirigindo o selo musical, colaborando com biografias e veículos de comunicação.

Atuante no jornalismo fluminense desde a adolescência, Leonardo Rivera teve passagens por jornais de sua cidade, Niterói – como os saudosos LIG e Opinião, além do diário A Tribuna. Tornou-se diretor artístico da área musical no final dos anos 90, tendo trabalhado na Universal Music com grandes nomes da nossa música, e em seguida criou um selo para novos talentos. Também se tornou escritor, ao lançar a biografia sobre Seu Jorge (2015) e participar da equipe da autobiografia de Luiz Fernando Guimarães (2022). Segue dirigindo o selo musical, colaborando com biografias e veículos de comunicação.