O governo federal avalia uma profunda reformulação no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT): a substituição dos tradicionais cartões de vale-refeição por transferências diretas via Pix. A proposta, que visa reduzir custos operacionais e garantir que o valor integral chegue ao trabalhador, já provoca intenso debate entre empresas, técnicos e especialistas em políticas públicas.
Do cartão ao Pix: uma mudança de paradigma
No modelo atual, o benefício é repassado às operadoras — como Alelo, Sodexo e VR Benefícios — que gerenciam os cartões aceitos em redes credenciadas. Com a mudança, os valores seriam creditados diretamente nas contas bancárias ou carteiras digitais dos trabalhadores, sem necessidade de intermediários.
A ideia ganha força em um contexto de alta nos preços dos alimentos, em que aumentar o poder de compra dos assalariados tornou-se prioridade.
Empresas veem risco de descaracterização do benefício
A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que representa os gigantes do setor, alerta que a transferência em dinheiro descaracterizaria o auxílio como benefício e o transformaria em remuneração direta. Isso geraria encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais adicionais para as empresas, tornando o benefício menos atrativo para os empregadores.
Além disso, a ABBT afirma que, sem os mecanismos de controle atuais, o recurso poderia ser desviado para gastos diversos, como apostas, dívidas ou consumo de bens não alimentícios, o que comprometeria o objetivo original do PAT — criado em 1976 com a missão de melhorar a qualidade nutricional do trabalhador brasileiro.
Divergência entre técnicos do governo
Internamente, há divisão entre os técnicos do governo. Um grupo defende que o trabalhador deve ter autonomia para decidir como utilizar o valor, principalmente em tempos de aperto financeiro. Outro segmento, porém, teme que a essência do programa se perca, e que a medida transforme um benefício alimentar em um repasse sem finalidade definida, esvaziando sua função social.
Impacto no setor de serviços e na economia
A possível desintermediação do PAT também levanta preocupações econômicas mais amplas. O modelo atual impulsiona diretamente restaurantes, lanchonetes e pequenos estabelecimentos, formalizando o setor e estimulando o consumo em ambientes fiscalizados.
A mudança, ao eliminar esse circuito fechado, poderia enfraquecer o efeito positivo no comércio local, alertam especialistas. Em contrapartida, ao reduzir os custos operacionais das empresas e aumentar o valor líquido recebido pelo trabalhador, o governo acredita que será possível compensar os impactos da inflação, especialmente sobre alimentos.
Um novo modelo de benefício ou um risco à sua essência?
A proposta de reformulação do PAT, embora estratégica para ampliar o alcance do benefício e gerar economia para empresas e para o Estado, levanta o questionamento: é possível manter o propósito social do programa sem os atuais mecanismos de controle?
Enquanto países desenvolvidos mantêm sistemas altamente regulados para benefícios alimentares, o Brasil parece ensaiar uma guinada liberal, apostando na confiança no trabalhador para gerir seus próprios recursos. A questão agora é se essa liberdade trará mais eficácia ou abrirá margem para a diluição de uma política pública que impacta milhões de brasileiros.