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Os Estados Nacionais, ao longo dos tempos, sempre foram reconhecidos como os principais (talvez os únicos) violadores sistemáticos de direitos humanos em escala global. Geralmente, tais violações eram aquelas apresentadas de forma mais latente, como, por exemplo, repressões policiais, perseguições políticas, acossamento de minorias e toda sorte de ataques à democracia.

No entanto, com o crescente domínio do poder do capital, empresas de setores como mineração, tecnologia, agronegócio e vestuário têm sido responsáveis por violações a direitos humanos que são equitativas – e, em certa medida, maiores – do que aquelas promovidas por Estados Nacionais.

Em 2005, a ONU nomeou John Ruggie como o Representante Especial do Secretário-Geral para Empresas e Direitos Humanos, marcando uma nova direção em relação ao tema. Ruggie propôs um marco conceitual com base em três pilares: O dever do Estado de proteger os direitos humanos frente a violações por parte de empresas, a responsabilidade de uma empresa em respeitar os direitos humanos, e ainda, a possibilidade de reparação para as vítimas de abusos.

Esse documento foi amplamente aceito por nações, empresas e a sociedade civil e, em 2011, foram aprovados os Princípios Orientadores da ONU Sobre Empresas e Direitos Humanos, com o propósito de consolidar a primeira norma internacional acerca do tema e a devida diligência em direitos humanos como responsabilidade das organizações

Assim, a pauta dos direitos humanos, tradicionalmente associada a governos e organizações da sociedade civil, ganhou um protagonismo irreversível no mundo corporativo. Hoje, não se discute mais se as empresas têm responsabilidade sobre o tema, mas como elas podem integrar efetivamente esses princípios em suas operações. E no centro dessa discussão, surge um elemento crítico e, por vezes, negligenciado: a comunicação eficaz entre os gestores de direitos humanos e as diversas áreas da empresa, uma dinâmica que impacta diretamente a vida de milhões de trabalhadores.

A desconexão entre o “discurso da sede” e a “realidade da operação” é um risco palpável. Enquanto a alta direção pode aprovar políticas robustas de compliance e sustentabilidade, a implementação prática depende de uma cadeia de comunicação que envolve desde o departamento jurídico e de Recursos Humanos (RH) até os supervisores de linha e o chão de fábrica.

Do Papel à Prática: A comunicação como antídoto

Sem um fluxo de informação claro e bidirecional, as melhores intenções falham. Uma política de direitos humanos não é um documento estático. É um compromisso vivo que deve ser compreendido, incorporado e praticado por todos os níveis hierárquicos.

Ou seja, o RH precisa comunicar os canais de denúncia de forma clara e segura. Já o Departamento Jurídico deve traduzir os riscos legais em linguagem acessível para os gestores. E, por fim, os ouvidos da liderança devem estar abertos para os feedbacks vindos dos próprios trabalhadores.

Os benefícios dessa comunicação integrada são tangíveis. Ela permite:

  • Prevenção de Violações: Um canal aberto permite identificar riscos como assédio moral, discriminação, condições de trabalho inadequadas e horas extras não remuneradas antes que se tornem crises.
  • Canais de Denúncia Eficazes: Os trabalhadores precisam confiar de que seus relatos serão acolhidos de forma sigilosa e sem retaliação. Isso exige que a comunicação sobre a existência e a segurança desses canais seja constante e crível.
  • Remediação de Conflitos: Quando um problema é identificado, uma comunicação ágil e coordenada entre RH, jurídico e a área envolvida é crucial para resolver a situação de forma justa e reparadora para o trabalhador.
  • Fortalecimento da Cultura Organizacional: A transparência e o diálogo constroem confiança, aumentam o engajamento e posicionam a empresa como um empregador de escolha, atraindo e retendo talentos.

Os Desafios da Implementação

Barreiras como hierarquias rígidas, culturas organizacionais fechadas, medo de represálias por parte dos funcionários e a simples falta de treinamento para que gestores lidem com questões sensíveis ainda são comuns. Muitas empresas investem em softwares caros de compliance, mas falham em treinar seu líder de produção para ouvir uma queixa sobre assédio. A tecnologia é uma ferramenta, mas a mudança real é cultural e depende de pessoas se comunicando.

O Trabalhador no Centro

No fim da cadeia, o maior beneficiário de uma comunicação eficaz é o trabalhador. Ele deixa de ser visto como um recurso passivo e passa a ser um agente ativo na construção de um ambiente mais seguro, justo e equânime. Sua voz, quando ouvida e valorizada, torna-se o termômetro mais confiável da saúde organizacional em termos de direitos humanos.

A conclusão é clara: no século XXI, a responsabilidade corporativa com os direitos humanos não se resume a auditórias anuais ou relatórios de sustentabilidade. Ela se manifesta no dia a dia, na qualidade do diálogo entre as áreas e na coragem de criar espaços seguros para que toda a força de trabalho possa falar, ser ouvida e, quando necessário, protegida. A empresa que entender isso não estará apenas se protegendo de riscos reputacionais e legais; estará, acima de tudo, investindo no seu ativo mais valioso: suas pessoas.

Guido Tiepolo

Advogado Trabalhista Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB/Niterói Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)

Advogado Trabalhista Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB/Niterói Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)