
Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um crescimento preocupante no número de pessoas viciadas em jogos de apostas eletrônicas. Com a popularização de plataformas online e a facilidade de acesso por meio de smartphones, muitos brasileiros têm desenvolvido dependência em apostas esportivas, cassinos virtuais e outros jogos de azar.
Esse fenômeno tem impactado não apenas a saúde mental dos cidadãos, mas também suas finanças e relações familiares. A falta de regulamentação rigorosa e a publicidade agressiva de casas de apostas contribuem para o aumento do problema, especialmente entre jovens e adultos vulneráveis.
Trata-se da ludopatia, também conhecida como jogo patológico. Um transtorno psicológico caracterizado pela incapacidade de controlar o impulso de jogar, mesmo quando isso causa prejuízos financeiros, emocionais e sociais. Considerada uma dependência comportamental, ela ativa mecanismos cerebrais semelhantes aos do vício em substâncias, levando a um ciclo de compulsão, perdas e tentativas frustradas de parar.
Nos últimos anos, o crescimento da patologia tem gerado consequências graves no ambiente de trabalho, levando a um aumento significativo de demissões por justa causa em diversos setores. Funcionários viciados em jogos de azar frequentemente apresentam queda de produtividade, faltas excessivas, atrasos e até mesmo desvios de recursos da empresa para financiar o vício, configurando quebra de confiança e violação de deveres trabalhistas.
Muitos casos envolvem fraudes, uso indevido de dinheiro corporativo ou empréstimos não autorizados junto a colegas, levando a processos disciplinares e rescisões contratuais. Empresas têm adotado medidas mais rígidas, especialmente em cargos que lidam com finanças, enquanto sindicatos e especialistas alertam para a necessidade de políticas de apoio, como programas de assistência psicológica, antes que o problema chegue ao extremo da demissão.
Nestes casos, o trabalhador que é dispensado por justa causa, desde que devidamente fundamentada nas hipóteses previstas da CLT, tem direito apenas às verbas rescisórias mínimas, ou seja, o saldo de salário dos dias trabalhados no mês da demissão, as férias vencidas e o adicional de 1/3. Sendo assim, o empregado perde então o direito ao recebimento do valor das férias proporcionais – e do adicional de 1/3 delas –, ao 13º salário proporcional, ao saque do FGTS e multa de 40% sobre os depósitos fundiários.
No contexto do vício em apostas, a justa causa se torna legítima quando o comportamento do trabalhador compromete de forma concreta e direta a relação de emprego. Como exemplo, temos os casos em que há apropriação indevida de valores da empresa para realização de apostas, utilização reiterada de equipamentos da empregadora durante a jornada de trabalho para acessar plataformas de jogos online, violação de sigilo profissional ao expor dados da organização, ou ainda quando a dependência afeta a produtividade, o convívio e a integridade do ambiente de trabalho.
A jurisprudência tem reconhecido a validade da justa causa em situações bem documentadas e de efetiva gravidade, como nos casos em que há exposição pública da empresa de forma ofensiva, apropriação de valores para realização de apostas ou atos que violem o dever de boa-fé e lealdade. Por outro lado, quando a punição se mostra desproporcional à infração ou quando não estão presentes os requisitos legais, a dispensa por justa causa tende a ser desconstituída judicialmente pelos magistrados trabalhistas.
A questão mais delicada e que precisa ser profundamente debatida está centrada em definir quando o uso de aparelhos para jogos de azar durante o trabalho pode estar relacionado a uma doença psiquiátrica – como a ludopatia –, ou quando o indivíduo simplesmente estava jogando no horário de trabalho porque quis.
Isto porque a ludopatia é reconhecida pela OMS e no Brasil tem CID: 10-Z72.6 (mania de jogo e apostas) e 10-F63.0 (jogo patológico). Portanto, se a ludopatia é uma doença como qualquer outra, não se justifica demitir o funcionário por esta razão. A solução para a questão é que o empregado fique afastado do trabalho através do recebimento de auxílio-doença, custeado pelo INSS, tendo em vista sua incapacidade laboral temporária.
Assim que o médico do trabalho verificar que o empregado é portador da patologia e não apresenta condições para o trabalho, deve efetuar o diagnóstico e o afastar para tratamento adequado.
Vale considerar que conta também pode acabar sobrando para a empresa, caso fique comprovado que ela contribuiu, por ação ou omissão, para o desenvolvimento do vício em jogos de apostas pelo empregado no ambiente de trabalho. Isso pode ocorrer, por exemplo, se houver tolerância ou incentivo, direto ou indireto, à prática do jogo, especialmente por parte de lideranças que representam o empregador. O dever legal da empresa é garantir um ambiente de trabalho saudável, tanto física quanto psicologicamente. Caso descumpra esse dever, ela pode ser responsabilizada civilmente por danos causados ao empregado, e o descumprimento ou a omissão por parte dela pode inclusive ser usado como argumento em eventual ação indenizatória.
A preocupação em tutelar a segurança do trabalhador – especialmente a psicológica – tem sido objeto de discussões recentes e crescentes, a exemplo da alteração ocorrida na Norma Regulamentadora 17 (NR-17), que passou a exigir que as empresas mapeiem e gerenciem riscos ocupacionais de natureza psicossocial.
O mais recomendável é que o empregador tenha políticas claras sobre o uso de dispositivos eletrônicos, jogos online e condutas no ambiente de trabalho, para prevenir alegações de conivência com práticas nocivas à saúde dos empregados.
Infelizmente, a falta de regulamentação eficaz das apostas online no Brasil agrava o cenário, pois facilita o acesso e a impulsividade. Enquanto a legislação trabalhista permite a justa causa em casos comprovados de má conduta, é urgente discutir prevenção e tratamento para evitar que o vício destrua não apenas carreiras, mas também vidas e famílias.