140 anos

Theatro Municipal de Niterói: 140 Anos de História

Uma viagem pelos 140 anos do Theatro Municipal de Niterói.

Divulgação/Cultura Niterói
Divulgação/Cultura Niterói

Nesta quinta-feira, 08 de agosto de 2024, o Theatro Municipal João Caetano, ou Municipal de Niterói, como é mais conhecido do grande público, completa 140 anos. Abaixo apresentamos um breve resumo de sua história. Boa leitura e viva o Theatro Municipal de Niterói!

Origem:

  • A trajetória do teatro começou seis décadas antes, em 1827, na Vila Real de Praia Grande.
  • Inicialmente uma modesta casa de espetáculos, localizada na atual Rua XV de Novembro, liderada por figuras ilustres da vila.

Evolução:

  • Em 1840, a Sociedade Philodramática de Niterói adquiriu o teatro, renomeando-o como Theatro Nictheroyense.
  • Em 1842, João Caetano dos Santos comprou o teatro, reformou-o e rebatizou-o como Santa Thereza, em homenagem à princesa de Nápoles. Por essa época, D. Pedro II já estava casado, por procuração, com a princesa de Nápoles, Thereza Cristina Maria de Bourbon (1822-1889), que só chegaria ao Brasil em 1843. Mas o novo teatro desde logo recebeu, em sua homenagem, o nome de Santa Thereza.

Era de Ouro:

  • Viveu momentos de glória recebendo espetáculos renomados e figuras ilustres como D. Pedro II.
  • João Caetano apresentou seu último espetáculo em 1862, marcando o início da decadência do teatro.

Momentos de glória o Santa Thereza viveu, ninguém discute, muitas vezes recebendo Pedro II para assistir às comédias de Victorien Sardou, aos autos de Gil Vicente, aos dramalhões de Alexandre Dumas ou às versões de Jean-François Ducis para as tragédias de William Shakespeare.

E foi nesse palco que João Caetano representou pela última vez, levando à cena o drama “Os Íntimos”, de Sardou, depois do que adoeceu e faleceu, em outubro de 1862. Sua morte representaria também a decadência do nosso teatro, que durante 21 anos funcionou regularmente. Na verdade, mesmo alguns anos antes, o edifício já dava claros sinais de declínio. No ano seguinte pouco dele se podia aproveitar.

Divulgação/Cultura Niterói

Fachada do Theatro Municipal João Caetano em diferentes períodos

  • 1904, 1925, 1935, 1956 e 1960

Declínio e Alternativas:

  • Após a morte de João Caetano, o teatro entrou em declínio, com várias tentativas de reconstrução e alternativas surgindo na cidade.
  • Outros teatros como o Elyseu e o Theatro Santo Antônio tentaram preencher o vazio cultural na cidade.

Para muitos, era inevitável o fim da mais importante casa de espetáculos da cidade, já devolvida ao governo provincial, que rescindiu amigavelmente e sem custos, a concessão com a viúva do ator, Estela Sezefreda, que não quis ou não pôde explorar o Santa Teresa. Enquanto isso, os herdeiros vendiam uma por uma as folhas da coroa de ouro que lhe fora oferecida em 1838, para poder sobreviver.

Reconstrução e Reformas:

Sem o apoio do poder público, que pouco se interessou pela empreitada, reconstruir o Santa Thereza, que em ruínas foi demolido em 1866, sob risco iminente de desabamento, não seria uma tarefa simples, mas depois de algumas frustradas tentativas, o maestro e cantor italiano Felício (Felice) Tati (1845-1909), radicado desde menino em Niterói.

  • A reconstrução definitiva começou em 1875, liderada por Felício Tati e a Companhia Theatro Santa Thereza.
  • Enfrentou inúmeros desafios, incluindo má qualidade de materiais e disputas judiciais,

Mas o drama do Theatro Santa Teresa ia se arrastar por mais alguns anos. Muitos acionistas, desapontados com o ritmo das obras, desanimavam e não aportavam os valores das ações subscritas. Tati era o único que não perdia o entusiasmo e convenceu o governo a lhe conceder, em dezembro de 1881, um empréstimo de 10 contos de réis, para poder, finalmente, inaugurar o teatro. Afinal, tudo se arrumaria mais tarde, já que o próprio credor estava contratualmente obrigado ao pagamento de uma subvenção de valor bem maior, desde que a casa fosse aberta e começasse a funcionar. Mas na insegurança jurídica vigente na segunda metade do século XIX no Brasil, de que valiam os contratos?

A soleníssima inauguração, inicialmente agendada para 14 de julho de 1884, foi adiada para a sexta-feira, 8 de agosto, a fim de se conciliar a concorrida agenda do imperador.

Resultado: Entupido de gente no dia 8, nas semanas seguintes ficou o teatro às moscas e a bilheteria mal dava para pagar a impressão dos ingressos.

Ao mesmo tempo, nos corredores dos cartórios já tramitava uma ação executiva proposta pela Província contra a empresa concessionária, por causa daqueles 10 contos que o Governo emprestara. É verdade que o mesmo Governo devia aos mesmos empresários muitas vezes aquele valor, pois se comprometera por contrato a subvencioná-los com 5 contos de réis anuais, detalhe que ficou no esquecimento. Nada disso foi levado em conta e o teatro, que custara 80 contos de réis, passava à propriedade provincial por uma dívida de 10.

O pior é que, não tendo como explorá-lo, resolveram as autoridades transformá-lo em dinheiro vivo, vendendo cenários, móveis, aparelhagens, e até mesmo o encanamento de iluminação a gás.

Mudam os governos, as prioridades, e em 1889 cuidou-se da recuperação do teatro, na esperança de ser arrendado. Sucedem-se companhias interessadas, mas todas esbarram nas exigências financeiras impostas. São dessa reforma as pinturas decorativas do teto, contratadas ao pintor alemão, radicado no Brasil, Thomas Driendl. Os bem-vindos melhoramentos foram, no entanto, dramaticamente danificados pela Revolta da Armada (1893-94), que duramente castigou com bombardeios diários a cidade de Niterói.

Com paredes esburacadas pelas balas, telhado em frangalhos, assoalhos arrancados, a Assembleia Legislativa promulgou, a 6 de dezembro de 1895, a Lei nº 168 que autorizava o governo de Maurício de Abreu, a leiloar o Santa Thereza. O magnífico edifício era então ambicionado por dois abastados industriais da cidade, um deles o mesmo José Maria Barbosa, que já transformara o Phenix em cocheira, três anos antes.

Nem mesmo o protesto da sociedade e da Câmara Municipal niteroiense demoveu o governador, nem mesmo a lei estadual 88/1894 que ordenava a transferência para o Município dos próprios estaduais adquiridos antes de 1889.

Mas os protestos surtiram algum efeito. A Câmara de Niterói apressou-se em arrematá-lo por 50 contos de réis, e após investir outro tanto em reformas e decoração inaugurou-o a 1º de janeiro de 1897, como Theatro Municipal de Nictheroy. No regime republicano, não cabia mais homenagear a já falecida imperatriz. Três anos depois, a Câmara Municipal aprovou a lei de autoria de Luiz de Souza da Silveira que o rebatizou com o nome de Theatro João Caetano.

Daí por diante sobreviveu a trancos e barrancos, à mercê das atenções ou desinteresses das autoridades constituídas. Em 1904, mais reformas, desta vez iniciada no ano anterior pela Câmara Municipal, e concluída já na gestão do primeiro prefeito de Niterói, o engenheiro Paulo Alves.

E mais reformas vieram: em 1911, 1935, 1940, 1944, 1952, 1956, 1965, 1976 e em 1987, até ressuscitar definitivamente em 1995, após longa e minuciosa restauração comandada pelo pintor e restaurador Cláudio Valério Teixeira.

Á direita, o restaurador Cláudio Valério ao lado do então diretor do Theatro, Sohail Saud. Divulgação/Cultura Niterói

Algumas dessas “reformas” foram necessárias para corrigir transtornos decorrentes da histórica falta de manutenção; outras para o adequar às necessidades tecnológicas que surgiam ao longo do século; mas também tivemos alterações que, ditadas pela vaidade de alguns administradores, sem o olhar preservacionista, muitas vezes deturparam seu conceito artístico, tais como um enorme carpete marrom que cobria todo assoalho, camadas de tinta comum sobre trechos do trabalho de Thomas Driendl, azulejos rosas no piso dos banheiros, ou mesmo uma marquise sobre o portão principal.

O descaso oficial chegou ao ponto que em dezembro de 1962, a Comissão de Segurança e Prevenção contra Acidentes da Prefeitura de Niterói condenou as instalações do teatro, que ainda assim funcionou precariamente até 1964. Tendo como prefeito Emilio Abunahman, em julho de 1965, iniciou-se mais uma grande reforma. O Municipal foi reinaugurado a 2 de maio de 1966, com a encenação de Mulher Nota Zero Quilômetro, de Edgard G. Alves. Na década de 1970, a prefeitura ser foi novamente impedida de utilizar o teatro que era seu. Assim, resolveu o então Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural (INDC, hoje FAN) arrendar outra casa de espetáculos, o antigo Teatro Alvorada, rebatizado de Leopoldo Fróes. Casa pequena, acanhada, inferior em conforto e recursos, coube ao Leopoldo Fróes oferecer ao niteroiense uma casa de espetáculos que pudesse ocupar inúmeras companhias teatrais da cidade, à espera de um tratamento digno ao nosso Theatro Municipal João Caetano.

Ressurgimento e Transformações:

  • A restauração de 1995, liderada por Cláudio Valério Teixeira, recuperou elementos históricos significativos.

Mas engana-se quem pensa que a obra inaugurada em 1995 restaurou o aspecto original do antigo Santa Thereza, aquele de 1884. Algumas intervenções, sobretudo as realizadas em 1889, 1904 e na primeira metade da década de 1910, foram preservadas. Sem elas, não teríamos hoje a atual fachada em estilo do renascimento, as pinturas de Driendl, as frisas ao lado da plateia ou os balcões policromados. Cláudio Valério fez questão, no entanto, de recuperar as cadeiras de palhinha austríacas que foram vendidas em hasta pública logo após a inauguração. Conforme foi dito na época pelo artista, “os elementos históricos e de qualidade serão mantidos e aqueles que desvirtuam a obra como um todo serão transformados”.

Divulgação/Cultura Niterói

Doada pela Mesbla em 1986, a casa anexa ao prédio foi definitivamente incorporada ao complexo, com o nome de Sala Carlos Couto, homenagem a um ex-diretor do teatro, que, quando jovem, por muitas vezes apresentou-se em seu sagrado palco. Hoje, a Sala é utilizada como suporte à programação do teatro, com exposições, lançamentos de livros e shows mais intimistas e gratuitos.

As cortinas do “novo” Theatro Municipal João Caetano foram reabertas a 20 de dezembro de 1995. Para um plateia apenas de convidados, a Companhia de Balllet da Cidade de Niterói apresentou a montagem de “Na floresta”, que contava com figurinos da carnavalesca Rosa Magalhães.

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Sala Carlos Couto | Divulgação
Na imagem, o presidentre da Funiarte (hoje FAN) Luís Antônio Melo; o restaurador Cláudio Valério; o prefeito João Sampaio; Jorge Roberto Silveira e o Secretário de Cultura Ítalo Campofiorito (Revista Manchete, 13/04/1996).

Impacto Cultural:

  • O teatro abrigou inúmeras instituições culturais e artísticas, como a Academia Fluminense de Literatura e a Orquestra Symphonica Fluminense.
  • Recebeu grandes nomes das artes cênicas e da música, desde Fernanda Montenegro até Tim Maia.

Modernização:

  • A Sala Carlos Couto, anexa ao teatro, tornou-se um espaço importante para eventos culturais menores e gratuitos.
  • O pano de boca pintado por Roberto Burle Marx é um dos destaques pós-restauração.
Sala Carlos Couto/Divulgação/Cultura Niterói
Sala Carlos Couto/Divulgação

Personagens

Ao longo desses 140 anos, essa casa já abrigou o Teatro de Ópera de Niterói; a Academia Fluminense de Literatura; a Orquestra Symphonica Fluminense, duas companhias de ballet municipais; uma companhia de teatro infantil; e o Conservatório de Música de Niterói, entre outros tantos coletivos artísticos e instituições.

Embalou a carreira internacional de Leopoldo Fróes, recebeu artistas cênicos como Dias Braga; Ismênia dos Santos; sua nora Júlia dos Santos; Pepa Ruíz; Jardel Jércolis; Martins Veiga; José Carlos da Costa Velho; Alberto Vítor; Xisto Bahia; João Pinto, o Rei dos Amadores; Irênio Coelho; Artur Azevedo; Eduardo Souto; Oscar Guanabarino; Abigail Maia; Alda Garrido; Bibi e Procópio Ferreira; Céu da Câmara; Clóvis Salgado; Catulo da Paixão Cearense; Eduardo Gomes; Renato Lacerda; Renato Viana; Sady Cabral; Luís (Lili) Leitão; Almanir Grego; Dulcina de Moraes; Itália Fausta; Jaime Costa; Laura Botelho; Maria Jacintha; Paschoal Carlos Magno; Pernambuco de Oliveira; Raul Roulien; Lyad de Almeida; Nicete Bruno; Henriette Morineau; Carlos Couto; Isaac Bardavid; Roberto Piola; Roberto Machado; Conrado de Freitas; Lavínia Duarte; Carlos de Caz; Fernando Bonorino; Waldyr Nunes; Cristina Fracho; Eduard Roessler; Clotilde Moreira; Haydée Brasil; Fernanda Montenegro; e tantos outros.

Na música, se apresentaram nomes como Jacques Klein; Arnaldo Estrela; Radamés Gnatalli; Francisco Mignone; Magda Tagliaferro; Heitor Villa Lobos; Pixinguinha; Vicente Celestino; Bidu Sayão; Cauby Peixoto; Arthur Maia; Bia Bedran; Dalto; o MPB4, Os Lobos; Carl Palmer; Stanley Jordan; Gilberto Gil; Guinga; Leo Gandelman; Zélia Duncan; os maestros Assis Pacheco, Ernani Bastos, Cordiglia Lavalle, José Botelho e Felício Toledo; as irmãs Raymunda e Ruth Viana; e a maestrina Joanídia Sodré.

O palco do Municipal recebeu coreografias das professoras Eunice Linton, Helfany Peçanha e Juliana Yanakieva, que conduziram centenas de jovens bailarinos em formação.

Nele também surgiram gerações de grandes atores, diretores, bailarinos, figurinistas e autores. O Municipal foi também, para a tristeza de todos nós, a 7 de março de 1998, o último palco do cantor e compositor Tim Maia.

Tim durante o show, ocorrido no Municipal de Niterói. Foto: Reprodução

Legado:

  • O Theatro Municipal João Caetano é um marco cultural e histórico de Niterói, sobrevivendo a desafios e reformas para se manter relevante.
  • Continua sendo um símbolo de resistência e dedicação à arte e cultura na cidade.

Comemoração:

A celebração dos 140 anos é um reconhecimento da rica história e do impacto cultural do Theatro Municipal de Niterói na comunidade e além.

Hoje lá está, cercado por prédios que lhe reduzem a opulência original, mas ainda orgulhoso de sua elegância artística e arquitetônica que, por obstinação de aguerridos amantes das artes, sobreviveu. E restituído, enfim, às dimensões de grandeza de seu passado e suas tradições.

Viva o Theatro Municipal de Niterói!