
Niterói se prepara para virar referência nacional em artes e culturas indígenas em 2026, com seminário, exposição e festival multiartístico. A iniciativa resgata a memória do cacique Arariboia e coloca no centro do debate a presença indígena no território, ontem e hoje.
Niterói resgata Arariboia e projeta 2026 como marco da arte indígena
A cidade de Niterói está se preparando para ser referência nacional das artes e culturas indígenas no ano de 2026, com uma série de ações que incluem um seminário, uma exposição e um festival multiartístico.
Além de ter seu nome na língua tupi-guarani, Niterói também é a única cidade do Brasil que foi fundada por um indígena, o guerreiro Arariboia, cacique temiminó que teve atuação importante na guerra da Confederação dos Tamoios — momento histórico fundamental para a definição do destino do país.

Lançamento do Encontro com Arariboia reúne artistas e ativistas indígenas
Em homenagem a essa ancestralidade, foi lançado, no último dia 4 de dezembro, o projeto “Encontro com Arariboia”, com a presença dos artistas, comunicadores e ativistas dos direitos indígenas Daiara Tukano, Denilson Baniwa e Anapuaka Tupinambá.
O projeto tem patrocínio da Prefeitura de Niterói, por meio da Secretaria Municipal das Culturas.
Debate “Niterói Terra Indígena” no Caminho Niemeyer destaca memória e reapropriação
Em um debate com o tema “Niterói Terra Indígena”, os artistas tiveram a companhia do diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói, Victor de Wolf, do indigenista e presidente do Instituto Terra Verde, Leonardo Brandão, e a mediação da produtora cultural Priscila Danny.
A abertura foi conduzida por Yan Mirim Ju, indígena guarani, coordenador de promoção das culturas indígenas do Ministério da Cultura. O Caminho Niemeyer, com sua paisagem monumental voltada para a Baía de Guanabara — território de significado histórico e ancestral para os povos indígenas — foi o cenário do diálogo sobre reapropriação, memória e o significado da presença indígena em Niterói, ao longo da história e atualmente.
Cultura e Democracia: projeto se conecta a redes latino-americanas e à Mercocidades
A atividade encerrou o II Seminário Internacional Cultura e Democracia, realizado pela Secretaria Municipal das Culturas de Niterói em parceria com a Fundação Casa de Rui Barbosa.
Nesse contexto, ocorreu também a reunião de representantes da Rede de Cidades e Governos Locais do Programa IberCultura Viva. Delegações de mais de 20 cidades de 6 países da América Latina estavam presentes.
Estas iniciativas integraram a programação da 30ª Cúpula da Rede Mercocidades, rede fundada em 1995 e que reúne cerca de 400 cidades, de 12 países, representando mais de 120 milhões de habitantes.
O que muda na prática: memória indígena como política cultural
Para o Secretário das Culturas de Niterói, Leonardo Giordano, o lançamento do projeto nesse contexto reforça a projeção da cidade como referência de gestão local. Ele afirma:
“Niterói é uma cidade fundada por um líder indígena, o Cacique Arariboia. Essa herança cultural da cidade está presente no nome dos bairros, das ruas, mas é preciso fazer da memória indígena de Niterói um projeto ligado ao futuro, de uma cidade que cuida das pessoas, que preserva o meio ambiente, que incentiva a cultura e que cultiva valores solidários e humanistas. Niterói já realizou encontros com diferentes países e regiões do mundo, mas o Encontro com Arariboia representa um reencontro da cidade consigo mesma e com sua memória histórica e ancestral.”

Falas que marcaram o encontro: território, reparação e disputa de narrativas
Daiara Tukano amplia o debate e chama o território de sagrado
Uma das curadoras do projeto “Encontro com Arariboia”, Daiara Tukano, alternou sua fala em espanhol e português e ampliou a reflexão para a escala continental, questionando os termos “ibero-americano” e “latino-americano”.
“Esses termos começam pela Europa. Mas antes de qualquer Ibéria e antes de qualquer América, este território é indígena. Nós somos filhos da floresta, do rio, da pedra, da terra”, pontuou.
Em um dos momentos mais emocionantes, Daiara se voltou à Baía de Guanabara e descreveu duas imagens: “A primeira é a das caravelas chegando, uma fronteira que não nos reconheceu como humanos. A segunda é a da cobra grande, que, segundo nossa cosmologia, parou aqui pela primeira vez. Para nós, este lugar é sagrado.”
Denilson Baniwa aponta a arte como disputa de memória colonial
O artista visual e curador Denilson Baniwa analisou o papel da arte na construção das memórias coloniais no Brasil.
“A história oficial sempre usou a arte como instrumento de poder. O que lembramos da Independência, de Tiradentes, da Guerra do Paraguai? Pinturas criadas para consolidar o olhar colonial”, lembrou. “O que estamos fazendo agora é disputar essas imagens. A arte indígena tem enorme potência transformadora.”
Ele também falou de sua relação com a cidade: “Eu sou do Rio Negro, mas escolhi Niterói para viver. A cosmologia do meu povo conecta a Baía de Guanabara aos lugares sagrados da nossa origem. Para nós, a humanidade começa aqui.”
Ao comentar a exposição “Ohpeko Ditara: travessias da Guanabara”, que integrará o projeto “Encontro com Arariboia”, destacou que o objetivo é reunir artistas de diversos povos para repensar a história do país “a partir de nossos nomes, nossas cosmologias e nossos territórios”.
MAC reconhece apagamentos e fala em reparação
O diretor do MAC, Victor de Wolf, revisitou a trajetória simbólica da cidade e o papel das instituições culturais na manutenção — e no enfrentamento — de apagamentos históricos.
“O MAC se tornou o grande ícone da cidade e, querendo ou não, participou do apagamento de alguns símbolos de origem indígena que representavam a cidade, como a Pedra de Itapuca e a própria estátua de Arariboia”, afirmou. “Se o museu participou do apagamento, tem o dever de participar da reparação. Um museu não pode ser só um espaço expositivo e de visitação, mas promover debates e reflexões”, disse.
Victor lembrou o marco da primeira exposição de arte indígena do MAC, inaugurada pelo cacique Raoni em 2019, e afirmou esperar que o acervo do museu incorpore artistas indígenas de forma permanente.
Leonardo Brandão reforça ancestralidade viva e leitura histórica complexa
O indigenista e presidente do Instituto Terra Verde, Leonardo Brandão, apresentou a dimensão atual da presença indígena na região metropolitana, invisibilizada na narrativa oficial, e declarou:
“Arariboia não é traidor nem herói romântico. É uma liderança complexa de seu tempo. Quando setores conservadores atacam sua figura e quando setores progressistas tentam desqualificá-lo, chamando-o de vendido, ambos cometem um erro histórico. Niterói é a única cidade do Brasil fundada por um indígena, e isso é motivo de orgulho. Precisamos nos reencontrar com essa ancestralidade viva.”
Anapuaka Tupinambá destaca o desafio das políticas públicas indígenas nas cidades
O comunicador indígena Anapuaka Tupinambá reforçou a importância da presença indígena nas políticas públicas e nos conselhos culturais.
“Fazer política pública indígena nas cidades é muito difícil. Há racismo estrutural em todas as camadas. Ver o que está acontecendo aqui em Niterói me enche de alegria e responsabilidade”.
Ele celebrou a trajetória de Denilson e Daiara e destacou que “o que acontece aqui hoje é parte de uma memoriância, ações de memória realizadas no presente.”
Presença do Ministério da Cultura reforça relevância nacional do projeto
O encontro contou com a presença de uma comitiva do Ministério da Cultura, o que reforçou a relevância nacional do lançamento do projeto “Encontro com Arariboia”.
Participaram da atividade:
- o presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Alexandre Santini;
- o diretor da Política Nacional Cultura Viva, João Pontes;
- a diretora de Promoção da Diversidade Cultural, Karina Gama;
- a coordenadora de Promoção da Diversidade Cultural, Giselle Dupin;
- o jornalista e consultor Edu Nascimento;
- o subsecretário das Culturas de Niterói, Matheus Lima.
Delegações internacionais, artistas e gestores culturais, representantes de governos locais, Pontos de Cultura, organizações comunitárias e instituições culturais também acompanharam o debate.
“Encontro com Arariboia” em 2026: escuta, construção coletiva e programação ao longo do ano
Com o lançamento do projeto “Encontro com Arariboia”, que acontecerá a partir de março de 2026, a Secretaria Municipal das Culturas de Niterói dá início a um processo de escuta, consultas e diálogos com artistas, instituições, povos e pessoas indígenas presentes no território da cidade e do entorno, além de redes nacionais e internacionais de cooperação, para uma construção conjunta e participativa da programação.
Ao encerrar o debate no auditório do Caminho Niemeyer, a curadora Daiara Tukano lançou desafios aos presentes:
“Uma democracia real precisa reconhecer o direito ao território. Políticas culturais indígenas não são concessão, são reparação histórica. Quero ver nascer aqui uma grande Bienal de Arte Indígena Latino-Americana. É hora de mostrar ao mundo que nossa história não começa em 1500.”
SERVIÇO: Encontro com Arariboia
- Local: Centro Eco Cultural Sueli Pontes, Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói e Caminho Niemeyer
- Data: Ao longo do ano de 2026
- Email: [email protected]
Classificação Etária: Livre
Entrada: Gratuita