
O abastecimento de água do Rio precisa de manutenção programada e redundância para evitar colapsos. O alerta é do presidente do CREA-RJ, Miguel Fernández, durante o SANEARio, maior evento de saneamento do estado. Em um cenário de mudanças climáticas, especialistas reforçam a urgência de investimentos e gestão integrada.
Abastecimento de água: por que investir em redundância já
Mestre em Engenharia Urbana (UFRJ) e especialista em recursos hídricos e saneamento, o presidente do CREA-RJ, engenheiro civil Miguel Fernández, defendeu obras de manutenção programada e redundância (um “backup” do sistema) para garantir a continuidade do serviço no Rio.
“Você não pode deixar um único local fazendo esse abastecimento, pois, caso falhe, haverá paralisação geral e um grande caos”, afirmou no painel “Gestão Metropolitana, regulação e clima” na 4ª edição do SANEARio, realizado pela ABES-RJ no Teatro Adolpho Bloch (Glória), com apoio do CREA-RJ.
Tema central: Saneamento e Segurança Hídrica em tempos de clima extremo
O encontro discutiu “Saneamento e Segurança Hídrica: Desafios e inovações em um cenário de mudanças climáticas”. Segurança hídrica é a disponibilidade de água em quantidade e qualidade para pessoas, atividades econômicas e ecossistemas, com risco aceitável a secas e cheias. No Rio, o desafio é maior: o estado depende de transposições e precisa equilibrar abastecimento, sustentabilidade e clima.
Histórico e riscos: uma disputa antiga por água
Segundo Fernández, a disputa por água no Rio remonta a 1565:
“Estácio de Sá morre numa disputa pela água na foz do Rio Carioca.”
Ele lembrou que o sistema atual é plural, com vários players: se um falha, todos sofrem. 70% da população do estado vive no entorno da Baía de Guanabara.
“A insegurança hídrica da Região Metropolitana do Rio é uma bomba-relógio.”
Fernández citou que, no ano passado, uma catástrofe foi evitada após contaminação por tolueno no sistema Imunana-Laranjal, que abastece mais de 2 milhões de pessoas em Niterói e São Gonçalo.
Manutenção programada não pode parar a cidade
Fernández criticou a falta de investimentos e a normalização da suspensão do abastecimento por manutenção:
“Não pode ser um sistema único. Há necessidade urgente de redundância e isso precisa entrar na agenda das eleições do ano que vem.”
Ele destacou o desafio de instalações centenárias, essenciais ao bom funcionamento do abastecimento de água.
“Sistemas fortes não são os que nunca falham, mas os que não colapsam quando falham.”
Apesar de avanços, o saneamento ainda é visto como “o patinho feio da infraestrutura”.
Painel: regulação, clima e a visão dos órgãos
Moderação: Eng. sanitarista Mickaela Midon (ABES-RJ e assessora da presidência do CREA-RJ).
Participantes:
- Lígia Maria Nascimento de Araújo – ANA (regulação de recursos hídricos e saneamento básico)
- Ana Asti – SEAS (Subsecretaria de Recursos Hídricos e Sustentabilidade)
- Monique Mello Frota – advogada ambiental, pesquisadora da Fiocruz e diretora de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da OAB-RJ
- Mayná Coutinho Morais – chefe de regulação da Agenersa
Clima e oferta: alerta da ANA
Para Lígia Araújo, a cobertura de saneamento no país “ainda é insuficiente e sem padrão de qualidade” e a crise climática agravará a insegurança hídrica:
“A expectativa de redução da disponibilidade de água é de 30% a 40% em 2040.”
Perdas na distribuição e recuperação da Baía de Guanabara
A SEAS, por Ana Asti, confirmou o aumento da escassez hídrica e citou estudo do Trata Brasil sobre a forte alta de demanda por água nas próximas duas décadas.
“O aquecimento global, somado às perdas na distribuição — 4 em cada 10 litros —, tende a piorar o cenário.”
A boa notícia: as concessões impulsionam a regeneração da Baía de Guanabara. Já o Plano estadual de segurança hídrica (Peshe) foi aprovado e será ferramenta-chave de gestão.
Saneamento e educação: efeito na evasão escolar
A advogada ambiental Monique Mello Frota (OAB-RJ/Fiocruz) informou que a Fiocruz elabora pesquisa mostrando que a falta de saneamento básico é uma das principais causas de evasão escolar:
“Compromete a qualidade de vida das crianças; a desnutrição prejudica a aquisição de conhecimento.”
SANEARio como ponte para a COP 30
Em entrevista ao site do CREA-RJ, Renato Espírito Santo, diretor da ABES-RJ, ressaltou a importância do SANEARio como preliminar da COP 30, que ocorrerá em Belém (PA) no ano que vem:
“Esta 4ª edição é um marco, integrando empresas e muitos técnicos para desenvolver o saneamento no país.”
Marco legal do saneamento e desafios de segurança pública
O presidente da ABES-RJ observou que o novo marco legal do saneamento, que visa universalizar água e esgoto até 2033, enfrenta muitos desafios, inclusive os gerados pela crise de segurança pública após a megaoperação de 27/10:
“Concessionárias precisam entrar nas comunidades para cumprir metas. Com a segurança pública assim, está muito difícil cumprir”, disse o engenheiro sanitarista.
Financiamento, inovação e sustentabilidade: o caminho das obras
O presidente do CREA-RJ também moderou o painel “Financiamento, inovação e sustentabilidade”, com:
- Wanderson Santos – secretário de Infraestrutura da Prefeitura do Rio
- Frederico Lage – BNDES (departamento de saneamento ambiental)
- Paulo Canedo – engenheiro e professor Coppe UFRJ/UNESCO
- Marcelo Sicri – coordenador de Sustentabilidade da Comlurb
Próximos passos: foco em EEAT e obras estruturantes
Para avançar, especialistas convergem em três frentes:
- Obras de redundância e manutenção programada para resiliência;
- Gestão metropolitana com regulação integrada e dados públicos;
- Financiamento contínuo, reduzindo perdas e garantindo qualidade da água.