“Dou-lhe uma, dou-lhe duas, uma maior e outra mais pequena”, assim se conta a pitoresca posse, por Manoel José Bessa, em 12 de março de 1794, do terreno onde, muitos anos mais tarde, seria edificado o prédio da Prefeitura Municipal de Niterói, conhecido anteriormente por “Campo de Dona Helena”.
O histórico campo da rua da Conceição até à rua General Andrade Neves, limitava-se, ainda, com a rua Visconde do Rio Branco (antiga rua da Praia) e com as vertentes do morro onde existiu o Hospital São João Batista. Nos fundos, fazia divisa com a igreja da Conceição e com o morro do Estado, no final da rua XV de novembro, na época conhecida como “Buraco da Onça”.
Manoel José Bessa comprou o terreno por 2.700$000 (dois contos setecentos mil réis) e a posse da propriedade é assim relatada por Matoso Maia Forte, em “Notas para a História de Nictheroy”:
“Bessa tomou posse das terras e no termo respectivo consta que praticou todos os actos possessórios e do estylo, abrindo e fechando portas nas casas que ficam na beira da praça e nas de vivenda (estas ficavam na esquina da actual rua XV de Novembro), atirando terra ao ar, cortando ramos de árvore e praticando as cerimônias que se costumavam praticar em semelhantes actos; e depois o porteiro, virando-se para Manoel José de Bessa, disse: “Dou-lhe uma, dou-lhe duas, uma maior e outra mais pequena, faça-lhe bom proveito, entregando-lhe um ramo verde, em sinal de posse”.
Manoel Bessa morreu, e suas propriedades passaram a pertencer à viúva, Helena Francisca Casemira, daí o povo chamar o lugar de campo de Dona Helena.
A pedra fundamental do prédio foi lançada em 13 de março de 1909 e a inauguração se deu a 14 de agosto de 1910, sem nenhuma solenidade. Entre a construção e a inauguração, deu-se o rompimento político de Pereira Ferraz com a Câmara Municipal, fazendo com que o poder executivo se instalasse sozinho no belo palacete, permanecendo o legislativo no velho prédio oitocentista do Jardim São João. O título de “Palácio Arariboia” foi dado em 1971, em meio aos preparativos das comemorações do IV Centenário da Fundação de Niterói.
Campo de Dona Helena
Além dos terrenos que foram absorvidos pelas ruas e caminhos traçados dentro do perímetro do primitivo ‘Campo de Dona Helena projetaram duas praças. Uma com o objetivo de comemorar a instalação do Pelourinho, em 11 de agosto de 1819 – às margens da rua Direita da Conceição, e um passeio público alusivo à Memória da visita de D. João VI e desfile das tropas lusitanas em maio de 1816 – o famoso Beija-mão.
Ao longo do tempo, o perímetro do Largo foi devidamente traçado, construído em todo o seu perímetro um passeio de lajes de pedra, feito um calçamento de alvenaria bruta nas ruas que contornavam, ficando o centro em terra batida, onde crescia vegetação rasteira, um capim ralo. A situação que perdurou até 1909, leva a crer ser a origem do nome popular de “Largo do Capim”, onde se montavam circos de cavalinhos a cujos espetáculos, segundo Romeu de Seixas Mattos (O Fluminense, maio de 1974), a garotada assistia sem pagar ingresso, sempre que conseguia furar o pano de lona. Para evitar esses abusos, havia em torno do circos uma cerca de arame farpado e um fiscal pera garantir a eficiência dessa medida.
Em tempos antigos, isto é, logo após a ereção do Pelourinho, esse logradouro era chamado pelo povo de “Largo do Pelourinho”, e assim se lhe referiam as autoridades governamentais na lei de desapropriação de 30 de outubro de 1844, assinada pelo Presidente da Província Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho. Em 1846, o logradouro passou a ser chamado de Praça Santo Alexandre. Contudo, nenhum desses nomes permaneceu, porque com e advento da República, foi dada a esta praça o nome de Floriano Peixoto.
Baseado na Deliberação a 77, art. 1º, de 21 de janeiro de 1907, o Prefeito Municipal João Pereira Ferraz contraiu empréstimo de cinco mil contos de réis (autorizado pela Deliberação nº 78 de 26 de agosto de 1807) ordenou à Diretoria de Obras que publicasse o edital de Concorrência para apresentação de projeto do novo edifício da Prefeitura.
Publicados os editais em fevereiro de 1908 e encerrada a concorrência em 31 de março do mesmo ano, foi aceito o projeto do Engenheiro Carlos Rossi, o qual recebeu o prêmio de dois contos de réis que lhe foi concedido pela Portaria nº. 80, de 21 de setembro de 1908. Na concorrência para a construção foi escolhida a proposta da empresa Di Piero Primavera & C. e com ela firmado contrato em 3 de março de 1909, pelo preço de 382:140$140.
Polêmica obra
Os reflexos dessas providências insidiam no destino da histórica Praça. No ato da cerimônia da “pedra fundamental” (13 de março de 1909) foram utilizados uma trolha e martelo de prata, com cabos de madrepérola e lavores, adquiridos pelos funcionários da Prefeitura e oferecidos ao Prefeito, mas a construção do prédio naquele logradouro público nunca foi unanimidade na cidade.
Seixas Mattos recorda também de que, dias depois dessa cerimônia, estava assistindo à solenidade na Câmara Municipal quando o Vereador Dr. Luís Carlos Froes da Cruz, em discurso violento, atacou o Prefeito por ter ocupado, sem licença da Câmara, a Praça com a construção do edifício da Prefeitura Municipal, sendo o Prefeito defendido pelo Vereador Dr. Carvalho Mello.
O Jornal O Fluminense, de oposição a Ferraz, em polêmico editorial de 8 de março de 1909 se somou aos críticos da obra:
“Entre as assombrosas ideias partidas da cachola do nosso monumental prefeito, o sr. Pereira Ferraz, destaca-se a da construção de um edifício para a Prefeitura, no largo do Capim. De fato o local escolhido para a citada edificação evidencia falta de escrúpulo ou a completa ignorância de quem o escolheu para tal fim.
A Prefeitura não tem o direito de apossar-se assim, a seu talante, de qualquer logradouro que faça parte do patrimônio do Estado. Ela não tem poderes para suprimir assim uma praça pública, para seu inteiro gozo particular, cabendo a qualquer munícipe a faculdade de, pelos meios legais, embargar a projetada construção.
Se há necessidade de um edifício para o funcionamento da Prefeitura, essa malfadada criação, que se adquira o prefeito um terreno nas condições ou compre um dos muitos prédios em ruínas que aqui existem e o reconstrua. Querer apoderar-se de uma praça pública é o que não deve, nem pode fazer.
Em todas as cidades adiantadas trata-se do alargamento das ruas, abertura de novos largos com arborização ou jardins e para recreio da população e do melhoramento das praças antigas, nunca, porém, se as suprimindo. Aqui entre nós vê-se exatamente o contrário: um prefeito lembra-se de tirar ao gozo da população uma vasta praça colocada em importante centro comercial e de incontestável importância para a salubridade de todo o trecho abrangido por ela.”
Uso do prédio
Até o final da construção do edifício havia o intuito de fazer funcionar como até então, a Prefeitura e a Câmara no mesmo prédio. Terminada a construção em 4 de agosto de 1910, o edifício não foi inaugurado com solenidade, pois havia nessa época uma forte divergência entre o legislativo e o executivo, por isso, as repartições municipais para ele se transferiram parceladamente, continuando a Câmara Municipal no antigo prédio, em frente ao Jardim Pinto Lima ou São João.
Na nova sede da prefeitura, existia, no término do primeiro lance da escada de subida para o pavimento superior, uma artística placa de bronze com os seguintes dizeres: “Edifício mandado construir pela prefeitura, no ano de 1909, sendo presidente do estado o Exmo. Sr. Dr. Alfredo Backer e Prefeito o Eng. Civil Dr. João Pereira Ferraz”.
Esta placa ostentava, na parte superior (mais estreita que a inferior) as Armas do Estado do Rio de Janeiro ladeadas por dois golfinhos, que compunham a diferença de dimensões entre as duas partes, e na parte inferior um outro escudo, com o caduceu de mercúrio no alto, outras alegorias de flechas, etc. no centro e na parte baixa.
Em 1926, na administração de Rodolpho Vilanova Machado, o prédio da Prefeitura foi remodelado, encarregando-se das obras o General Júlio César de Noronha. Nesta remodelação, foi modificada o torreão do prédio e dele retirado o relógio que ali existia, tiradas as divisões que formavam os pequenos gabinetes para transformá-los em amplos salões.
Nessa mesma ocasião da reforma foi também transferida a primitiva placa de construção do edifício, do local onde se achava, para o Salão de Espera do Gabinete do Prefeito. No lugar da antiga placa, isto é, no patamar da escada de subida, for colocado um medalhão de bronze com a efigie de Vilanova, tendo abaixo uma outra placa, também de bronze, com dizeres referentes à reforma do prédio.
O relógio foi retirado do torreão porque foi colocado originalmente em local de difícil acesso: para dar corda ao relógio, era preciso colocar uma pesada escada de madeira a fim de alcançar o torreão, entrando-se por uma pequena escotilha, razão pela qual o relógio estava quase sempre parado.
Atualidade
O título de “Palácio Araribóia” foi dado em 1971, por meio de uma lei aprovada pelo vereador Sérgio Chacon de Assis. Em meados dos anos 1980, a prefeitura mudou sua sede para um prédio na rua Visconde de Itaboraí, e o Palácio passou a ser ocupado pela Secretaria de Fazenda do município. No final dos anos 1990, o prédio sofreu um amplo restauro, comandado pelo restaurador Cláudio Valério.