
Uma audiência pública na Alerj reuniu reitoria, sindicatos e parlamentares para discutir as condições de trabalho dos servidores da Uerj após anos de perdas salariais e cortes de direitos. No centro do debate, apareceram números que revelam defasagem histórica e ameaças à permanência de profissionais que sustentam o ensino, a pesquisa e a assistência em saúde no estado do Rio de Janeiro. O embate orçamentário, antes restrito aos bastidores, ganhou contornos de disputa pública por serviços essenciais para a população.
Audiência na Alerj coloca foco nas condições de trabalho na Uerj
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) participou, na terça-feira (11), de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) dedicada a discutir as condições de trabalho dos servidores públicos da instituição. O encontro foi convocado pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Trabalho, Legislação Social e Seguridade Social e Servidores Públicos, presididas, respectivamente, pelas deputadas Élika Takimoto (PT), Dani Balbi (PCdoB) e pelo deputado Flávio Serafini (PSOL).
A audiência atendeu a pedido da Asduerj (Associação dos Docentes da Uerj) e do Sintuperj (Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais do RJ), que levaram um diagnóstico de perdas salariais e supressão de direitos acumulados ao longo de anos.
Perdas salariais e corte de direitos entram na conta da crise
Medidas que atingem diretamente os servidores da Uerj
Na sessão, representantes das entidades sindicais detalharam um conjunto de decisões do governo estadual que, segundo eles, vêm deteriorando as condições de trabalho e o poder de compra dos servidores da Uerj. Entre os pontos destacados estão:
- Interrupção do pagamento da segunda e da terceira parcelas de recomposição salarial previstas na Lei 9.436/21, referentes aos anos de 2022 e 2023.
- Ausência de correção pelos Índices de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, em períodos recentes – o que aprofunda a defasagem dos salários.
- Extinção do adicional por tempo de serviço, os chamados triênios, por meio da Lei estadual 194/2021, alvo de forte contestação das entidades e de deputados que defendem sua revogação.
- Falta de atualização do plano de carreira dos técnicos, o que limita perspectivas de progressão e afeta a retenção de profissionais qualificados.
- Interrupção do pagamento dos auxílios Saúde e Educação e de adicionais de periculosidade, benefícios considerados fundamentais para compensar riscos e custos associados ao trabalho em hospitais, laboratórios e setores administrativos.
De acordo com dados apresentados por representantes da Asduerj e do Sintuperj, a soma dessas medidas resulta em perdas salariais estimadas em cerca de 25% desde 2021 e aproximadamente 110% desde 2001, considerando a inflação acumulada e a interrupção da recomposição prevista em lei.
Para os servidores, essa defasagem significa dificuldade para pagar contas básicas, necessidade de buscar jornadas extras fora da universidade e aumento da evasão de profissionais altamente qualificados para o setor privado ou outros órgãos públicos com remuneração mais competitiva.
Triênios, auxílios e carreira no centro da disputa
O peso simbólico e financeiro do fim dos triênios
Entre as queixas mais contundentes, a retirada dos triênios foi apontada por lideranças sindicais como um dos “maiores golpes” já sofridos pelos servidores, tanto pelo impacto financeiro quanto pela forma como foi conduzida. A medida, aprovada sem negociação efetiva com a categoria, gera, segundo os representantes, quebras de isonomia entre trabalhadores que desempenham a mesma função, com diferença que pode chegar a metade do salário ao longo da carreira.
A crítica é direta: ao mesmo tempo em que cobrava o fim dos triênios, o governo estadual condicionou a aprovação da medida à garantia de recomposições futuras. Como essas recomposições não foram integralmente cumpridas, sindicatos e parlamentares falam em “calote” e defendem um projeto que revogue os efeitos da supressão do triênio.
Auxílios e plano de carreira travados
Outro ponto sensível é a estagnação do valor do auxílio excepcional, pago a servidores com filhos que demandam cuidados específicos, e o congelamento de auxílios Saúde e Educação. Em fala crítica, representantes sindicais afirmaram que, se os valores fossem corrigidos desde a criação do benefício, o montante atual deveria ser mais que o dobro do que é pago hoje, o que expõe famílias a grande vulnerabilidade.
Além disso, a falta de atualização do plano de carreira técnico-administrativo afeta especialmente os trabalhadores mais jovens, que ingressam na universidade com expectativa de ascensão profissional e encontram um cenário de baixa perspectiva de progressão e salários comprimidos.
Reitoria da Uerj alerta para impacto em ensino, pesquisa e saúde
“É difícil manter profissionais sem valorização”
A reitora Gulnar Azevedo e Silva chamou atenção para o risco de a defasagem orçamentária comprometer a própria missão pública da Uerj. Ela lembrou que a universidade não é apenas um espaço de formação acadêmica, mas também uma rede de serviços que atende diretamente a população – da educação básica à alta complexidade em saúde.
No caso do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), a reitora destacou que a unidade é fundamental para reduzir a fila do SUS, oferecendo atendimento especializado de referência. A combinação de orçamento apertado e salários desvalorizados coloca em risco a manutenção de equipes e o padrão de qualidade que a população espera.
Segundo ela, mesmo com o esforço da gestão para aplicar com rigor cada centavo do recurso público, há uma “dissonância” entre a contribuição social da universidade e a remuneração dos servidores técnicos e docentes, o que torna cada vez mais difícil preservar quadros experientes e atrair novos profissionais.
Números que mostram o tamanho da Uerj
O vice-reitor Bruno Deusdará apresentou dados que dimensionam a importância da Uerj para o estado do Rio de Janeiro: a instituição reúne mais de 36 mil estudantes, somando graduação, pós-graduação e educação básica do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (Cap-Uerj), além de 6.032 servidores técnico-administrativos, 3.046 docentes e cerca de 2.350 trabalhadores terceirizados em áreas como segurança, limpeza, motoristas e apoio administrativo.
Esses números ajudam a explicar por que a crise dos servidores da Uerj não é apenas uma pauta corporativa: ela afeta diretamente a oferta de vagas, a continuidade de pesquisas, a manutenção de políticas de permanência estudantil e a qualidade de serviços de saúde pública prestados à população fluminense.
Pressão política: emendas ao orçamento e mobilização permanente
Compromissos assumidos por parlamentares
Durante a audiência, os parlamentares que presidiram a sessão anunciaram a intenção de apresentar emendas à Lei Orçamentária Anual (LOA) com o objetivo de aumentar os recursos destinados à Uerj, tentando aproximar o financiamento da universidade de sua relevância social real.
Deputados também defenderam a revisão de medidas como o fim dos triênios e a retomada das recomposições salariais e dos auxílios aprovados em lei, apontando que as restrições atuais são incompatíveis com a demanda crescente por ensino superior público e atendimento em saúde de qualidade.
Paralisações e participação da comunidade acadêmica
A audiência não ocorreu em um vácuo. Dias antes, uma assembleia docente havia aprovado paralisação de 24 horas exatamente para garantir a participação maciça da categoria no debate na Alerj. O movimento contou também com a mobilização de técnicos e estudantes, reforçando a percepção de que a disputa por orçamento e direitos extrapola os muros do campus.
Representantes sindicais lembraram ainda que metade do quadro de trabalhadores do Hupe é composta por contratados, o que evidencia a dependência da universidade de vínculos mais precários ao mesmo tempo em que a falta de correção inflacionária atinge até quem esteve na linha de frente durante a pandemia de Covid-19.