Coluna Leonardo Rivera

Enquanto corria a barca, Niterói e Preta Gil

Preta Gil e seu pai, Gilberto Gil. Foto: Divulgação
Preta Gil e seu pai, Gilberto Gil. Foto: Divulgação

A música dos Novos Baianos, “Preta, Pretinha”, do álbum clássico da MPB “Acabou Chorare” (1972), tem um refrão muito lindo e infantil, onde Moraes Moreira canta “Só, somente só. Eu ia lhe chamar, enquanto corria a barca. Preta, preta, pretinha”. E apesar de não ter sido feita em homenagem à Preta Gil – ela nasceu em 1974, o disco é de dois anos antes – desde pequena ela pegou pra ela. Assim como pegou, em 1997, a canção “São Gonça”, do Farofa Carioca, onde Seu Jorge brada, no começo da música, “Pretinhaaaa”. E Preta também pegou pra ela.

Muito divertida, animada, querida, acolhedora e determinada, a leonina teve suas passagens por Niterói nos últimos anos, em eventos e shows dedicados à mulher e contratados pela CGE. Mas aqui em Niterói está seu baixista Fábio Lessa, sempre atuante no Bloco da Preta Gil e em shows. Aqui também estava o saudoso baixista Arthur Maia, integrante da banda Egotrip cujo amigo de seu irmão baterista Pedro Gil – falecido em 1990, quando Preta tinha só 15 anos – morava e, depois, tornou-se Secretário de Cultura. Sua relação com a cidade tinha essas pssagens.

Não precisamos lembrar que Preta foi um exemplo enorme de dignidade, resiliência, amor, coragem, empoderamento e inclusão. Quando eu a entrevistei, logo no comecinho da carreira (2004) para o meu quadro de TV Mundo Astronauta, eu ainda era magrinho e tinha cabelo. Preta, lançando o Prêt-à Porter, seu primeiro álbum, também estava experimentando ser apresentadora de TV, atriz, iniciando como empresária também, etc. Estava consumindo a vida com afinco, sem se preocupar com as mediocridades que cercam as celebridades. Preta já era vista por ser filha do genial Gilberto Gil, a mídia implicou com ela por ser gorda, preta, ter posado nua no encarte e etc. Mas ela encarou todas, de frente, sem medo de falar nada. Além de tudo era muito empática, coisa rara entre os artistas de hoje, mas ela via que a gente estava de boa fé e ajudava. Como foi no meu caso.

Eu a conheci naquele dia, porque já era amigo do Pedro Baby desde 1998, quando o conheci em Manhattan, no Café Wha, Nova York. Então estava gravando com a direção do cineasta Leo Duarte, da Plus Ultra, quadros de demonstração do meu trabalho para a TV Educativa, Canal 2 (Hoje TV Brasil) e fazendo várias entrevistas por aí. Pedro me apresentou à Preta que, na hora, topou gravar a entrevista comigo. Parecia que a gente já se conhecia desde criança, mas não. Era a primeira vez que eu a via, estava meio inseguro gravando as demos, não tinha maquiagem, não tinha figurino e foi tudo na força do faça você mesmo! Só com o talento e a vontade de nós, dois Leos. Também entrevistei o Pedro Baby na ocasião, bem menos tenso, porque ele eu conhecia bem.

Depois disso, vi a amizade da Preta Gil com meu querido amigo Paulo Gustavo; vi todas as suas conquistas, como o Bloco da Preta Gil, os álbuns e participações, o livro editado pela Globo Livros graças ao também empático e querido Guilherme Samora; enfim, acompanhei toda a sua trajetória, admirando sua coragem e pedindo aos poderes superiores que a curassem. Muitas vezes a cura é só o desligamento da alma após o fim do corpo mesmo. E nessa hora procuro, de novo, tentar olhar pelo privilégio que foi tê-la plena, depois lutando pela vida. Em cada fase ela deu seus exemplos, continuou sendo sincera e verdadeira, pode ter certeza de que aprendi muito mais com ela e me senti sempre próximo, mesmo tendo estado poucas vezes com Preta após essa entrevista que você pode ver no final desta coluna.

Sempre vou amar e respeitar o legado da Preta, torcer pelo seu filho Francisco – também grande artista, como a mãe e o avô – e torço desde a hora que soube da notícia para que ela tenha essa leveza na transição que está passando sua alma espiritualizada. Fé, Preta. Obrigado por tudo que deixou aqui pra gente. Até um dia.

Leonardo Rivera

Atuante no jornalismo fluminense desde a adolescência, Leonardo Rivera teve passagens por jornais de sua cidade, Niterói – como os saudosos LIG e Opinião, além do diário A Tribuna. Tornou-se diretor artístico da área musical no final dos anos 90, tendo trabalhado na Universal Music com grandes nomes da nossa música, e em seguida criou um selo para novos talentos. Também se tornou escritor, ao lançar a biografia sobre Seu Jorge (2015) e participar da equipe da autobiografia de Luiz Fernando Guimarães (2022). Segue dirigindo o selo musical, colaborando com biografias e veículos de comunicação.

Atuante no jornalismo fluminense desde a adolescência, Leonardo Rivera teve passagens por jornais de sua cidade, Niterói – como os saudosos LIG e Opinião, além do diário A Tribuna. Tornou-se diretor artístico da área musical no final dos anos 90, tendo trabalhado na Universal Music com grandes nomes da nossa música, e em seguida criou um selo para novos talentos. Também se tornou escritor, ao lançar a biografia sobre Seu Jorge (2015) e participar da equipe da autobiografia de Luiz Fernando Guimarães (2022). Segue dirigindo o selo musical, colaborando com biografias e veículos de comunicação.