Advogado, produtor, ator e diretor de teatro, Sohail Saud foi, por mais de seis décadas, um dos mais importantes artistas e gestores culturais de Niterói. Muito querido na cidade, encarnando o papel de Papai Noel oficial da cidade por mais de 30 anos, Sohail deixou um legado de realizações em benefício da Cultura de Niterói e de todo o Estado do Rio de Janeiro, quando criou cerca de 25 festivais de teatro e ajudou a fundar várias associações teatrais.
Descendente de libaneses, Sohail Saud começou no teatro em 1959, aos 18 anos, quando estudava no Colégio Plínio Leite e frequentava, para fugir de um castigo da direção da escola, os ensaios para o “Show de Teatro de Revista”. Lá, deu seus primeiros passos no teatro, na dança e na música. Estreou no Theatro Municipal João Caetano (TMJC), em Niterói, com o espetáculo “A Pensão dos Tarados”, com os alunos no Plínio Leite, e depois “Juramento a Longo Prazo” e “Irene’, de Pedro Bloch.
Em 1964, dirigiu o Grupo Teatral do SESC, que estreou no TMJC o espetáculo “O Pivete”, de Luís Iglésias. A convite do jornalista Gilson Monteiro, em 1966 começou a escrever uma coluna sobre teatro no Jornal “A Tribuna”, de Niterói. Com o apoio do jornal, criou em 1967, o Festival de Teatro Jovem Fluminense, tendo no jurí nomes como Paschoal Carlos Magno – primeiro presidente -, Carlos Couto, Silva Ferreira e Roberto Piola, e a partir de 1972, Sérgio Brito e Amir Haddad. Itinerante, o Festival percorreu até 1974, diversas cidades do estado, levando cultura para todas a regiões do estado.
Em 1968, ao lado de Roberto Pimentel, dirigiu no SESC um curso de teatro e, no mesmo ano, escolhido por universitários e secundaristas, ganhou o Troféu “João Caetano”, como Personalidade do Teatro Fluminense.
Serviço Estadual de Teatral
Criado em 1971, foi o primeiro diretor do Serviço Estadual de Teatral (SET), do antigo Estado do Rio e lá fez muito pela classe teatral, principalmente pelo fortalecimento dos festivais que havia ajudado a criar. Para Sohail: “Incentivar o Teatro Amador é o que de mais importante pode fazer um Serviço Estadual de Teatro. Pela força de vontade, os grupos realizam um trabalho de fundamental importância. Por eles, acredito, vale a pena persistir. E a eles não deve faltar a colaboração seja oficial, seja particular, em cada cidade, em cada vila, porque assim se impede o ‘emburrecimento’ nacional, que não é propósito de ninguém, imagino. Porque o apoio aos grupos amadores e universitários de teatro é a contribuição que se pode dar para o enriquecimento de uma consciência cultural coletiva que se traduz no enriquecimento da alma do espirito, da história de nosso País”, completou em entrevista ao jornal O Fluminense.
Em 1972 produziu no TMJC, o espetáculo “Já Raiou a Liberdade”, de Ronaldo Trigueiros, em comemoração ao Sesquicentenário da Independência do Brasil. Com elenco de 60 atores, três corógrafos ensaiaram o grupo que iria interpretar o Baile da Corte, com músicas de José Maurício e Marcos Portugal.
Ainda no SET, em 1972 ajudou a criar no TMJC, o I Festival Nacional de Teatro Jovem, que além de espetáculos de diversas companhias, incluía aulas, debates e palestras. Durante 21 dias, foram apresentadas somente peças de autores brasileiros.
Em 1973 ajudou a fundar a Federação Nacional de Teatro (FENATA), e Sohail ficou como representante dos estados da Guanabara, Rio de Janeiro e Espírito Santo, junto ao SNT (Serviço Nacional de Teatro) e junto à Federação de Teatro. No mesmo ano, durante a Semana Santa, e em comemoração ao IV Centenário de Niterói, dirigiu a peça “Vida e Paixão de Jesus Cristos” nas ruas de Niterói. A peça, trouxe um elenco de 1.000 figurantes e foi a primeira apresentação no gênero de teatro nas ruas da cidade.
Grupo Construção
Em meados dos anos 1970, Sohail liderou a criação do grupo teatral Construção, que em 1975, sob sua direção, produziu no TMJC, o espetáculo “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Mello Neto, com música de Chico Buarque. Segundo Sohail, “esta é a mais arrojada montagem teatral dos últimos anos em Niterói”. Com um elenco de 30 artistas, contava com a direção musical de Amarim Moderno. O espetáculo voltou ao teatro em 1979.
Em 1980, no II Festival da Comunidade Infantil, em um palco na Praia de Icaraí, o Grupo Construção apresentou o infantil “Pluft, o fantasminha”, de Maria Clara Machado. Em 1984, o espetáculo entrou em cartaz nos teatros Municipal e Leopoldo Fróes. No elenco, o Construção trazia: Ana Claudia Ricchio , Cristina Fracho, Elyzio Falcato, Djalma Amaral, Daniele Seguir, Eduardo Roessler, Marcelo Caridade e Josemar Coutinho. Com um elenco totalmente renovado, em 1988, o Grupo Construção produziu uma série de espetáculo nos teatro da UFF, Leopoldo Fróes, além do Niterói Shopping.
Em 1976 aceitou o convite da prefeitura de Duque de Caxias, para chefiar o Serviço de Cultura da cidade. Na cidade, criou, no Teatro Municipal Armando Melo, uma Biblioteca de especializada em assuntos teatrais.
ATACEN
Ao lado de artistas como Eduardo Roessler e Anamaria Nunes, fundou, em 1984, a Associação dos Trabalhadores em Artes Cênicas (ATACEN), sendo seu primeiro presidente, sendo substituído em 1988 por Ricardo Sanfer. A ATACEN, deu um novo fôlego à cena teatral da cidade, criando nos primeiros anos de existência eventos como a Festa Cantareira, além de patrocinar diversos festivais, como de Teatro Estudantil, de Dança e os Ciclos de Leituras Dramatizadas.
Em 1987, a ATACEN produziu o I Seminário Niteroiense de Artes Cênicas, que debateu a relação da entidade com a sociedade e poder público, principalmente a manutenção e ocupação dos teatros da cidade.
Ainda em 1987, no Teatro da UFF, atuou como ator no espetáculo “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna, produzido pelo Núcleo Experimental de Teatro da UFF, e estrelado por Célia Biar e Tarcísio Meira. Na peça, Sohail defendeu o papel de um padre. Ainda no Teatro da UFF, dirigiu em 1993, o espetáculo “Francisco e seus companheiros”, de Lula Bastos, e no ano seguinte, “A Galinha dos Ovos de Ouro”, de Carlos Nobre.
O Gestor de Teatro
Em meados dos anos 1980, dirigiu também o Teatro Leopoldo Froes – sob a administração municipal -, cargo que ocupou até 1990. No cargo, ajudou a consolidar o Leopoldo Fróes como a verdadeira base da cena teatral de Niterói. Após um breve intervalo, voltou ao cargo em 1990, quando o teatro entrou em obras e acabou sendo devolvido à Mitra Diocesana da cidade.
Durante 18 anos, entre 1993 e 2011, dirigiu o TMJC. Como gestor do espaço, acompanhou as obras de restauro comandada pelo artista plástico Claudio Valério, e a reinauguração em 1995.
Sobre sua relação com a cidade e o teatro, disse Sohail para O Fluminense em 2008: “Fiz o Conservatório Nacional de Teatro, tenho o registro no Ministério do Trabalho como ator e diretor. Não sou sindicalizado porque eu não quero. E eu nunca quis sair de Niterói, acho que tenho que fazer teatro na minha cidade. Se eu gosto e posso, faço. Já recebi convites até para televisão, mas não vou. Tenho um respeito muito grande pela minha cidade”.
Carnaval e Papai Noel
Apaixonado pelo samba, integrou o rico universo do Carnaval niteroiense, como folião e gestor. Criou nos anos 1970 uma concorrida Ala de Artistas, inicialmente na Acadêmicos do Cubango, e que em 1979 se mudou “com armas e bagagens” para a Unidos do Viradouro, escola na qual desfilou por mais de 40 anos, passando por vários cargos de direção.
Figura humana ímpar foi o Papai Noel oficial da cidade, desde 1978, emocionando crianças e adultos. Sohail encarnava o Bom Velhinho com muita dedicação e empatia com as crianças, quando vestia sua roupa vermelha, de veludo italiano, pesando 4,5 quilos e visitava orfanatos, asilos, creches, clubes e residências.
Segundo Sohail, a ideia de se vestir de Papai Noel aconteceu na noite de 24 de dezembro de 1978. Ele decidiu se vestir de Noel e ir a casa do irmão animar o Natal dos sobrinhos. Mas o percurso, que deveria durar apenas 10 minutos, foi feito em 50. “As pessoas me paravam na rua e pediam saúde, paz, emprego e prosperidade. É impressionante como os adultos veem o Noel como um mensageiro da esperança”, contou emocionado. “Na sacola do Papai Noel não há presentes ou brinquedos. Levo mensagens de esperança, de alegria e amor nas minhas visitas. Um apoio, um carinho, um sorriso valem muito mais do que brindes materiais”, completou.
Sohail Saud sofreu um infarto e faleceu aos 81 anos, em 18 de maio de 2021, deixando viúva Sueli Saud e muita saudade nos familiares e amigos.
Por Cultura Niterói