Coluna Leonardo Rivera

Fernanda Young se dividia entre Rio e Niterói no início da carreira

Fernanda Young/Divulgação
Fernanda Young/Divulgação

Niterói - Era final de 1989 e Anos 90 batiam na nossa porta. Eu já escrevia para o Jornal Lig e, como criança que queria parecer mais velho e responsável, estava buscando andar com amigos de mais idade. Foi quando comecei a frequentar uns Saraus de Poesia de Niterói. Escrevo poesias desde que alfabetizei. A primeira foi um haikai sobre a Lua.

Devidamente autorizado pelos meus pais – e, às vezes, com a presença deles na plateia – eu participei de saraus em bares, escolas, exposições… Era uma época de Varal de Poesia, com textos pendurados num varal, coisas do tipo. Livros mimeografados, jornaizinhos, zines, vendidos de mão em mão, nos bares e barcas e ônibus. Os adolescentes gostavam de ouvir Beto Guedes ou tentavam ser punks, mas eu só ouvia Rita Lee e Beatles. Tudo muito pré-histórico. Quando eu tinha 14 anos o colega Ney Reis me entrevistou para o suplemento JB Niterói, do Jornal do Brasil, e fiquei conhecido na cidade como poeta mirim. Nesta mesma matéria tem o perfil do músico Carlos Mauro, do jornalista Renato Guima e do poeta e letrista Marcelo Paredão, além da Fernanda. Era a primeira aparição dela no jornal. E minha também. Reis também participava destes saraus em bares. Em uma cidade pequena assim, fatalmente ele ia achar fácil os supostamente “diferenciados” para serem os personagens de sua matéria sobre circuito poético da cidade.

No Ingá tinha o Bar Paraty e o saudoso Rafael Pimenta Francisco realizava o projeto de declamação poética e performances ao vivo Viva a Poesia!, com seu parceiro Zeca Belém. Lembro que participei de um sarau noturno, com a família inteira na plateia, e neste dia quem me apresentou no palco foi Lilia Felippe. Na plateia tínhamos Men e Luma de Oliveira. Pensando hoje, me parece surreal e absurdo – mas é assim mesmo. Outros tempos. E eu ali, metido no meio dessas pessoas. Angariei testemunhas oculares da minha vida nessa época, algumas ainda amigos como é o caso do artista gráfico Luiz Carlos de Carvalho. 

Essa turma toda frequentava o Treco’s Bar, que ficava na Domingues de Sá, ao lado de uma doceria, a Tringuilim –em uma das laterais do Campo de São Bento. Hoje existe lá o Bar Novo Ponto. Então era quase 1990 e lá frequentavam, além dos já citados, a cantora Gisela Peçanha, o cantor Marcos Hasselmann, e outros artistas como Marcellus Schnell, Gerson Lessa, Gustavo Cabelo e Leo Cabelo, Joca, Walker, Margareth da Luz, Camila Mattos, Gustavo Careca, Leticia Damião, Sérvio Tulio, Raul Rachid (os Saara Saara, duo tecnopop), Fernanda Young, Guilherme e Ludmilla Matta, Cristina Costalmeida, Gilberto de Abreu, Manoel Gomes e sei lá mais quem. Não consigo lembrar de todos. 

O trailer do filme da Fernanda diz assim: “De insana a consciente, de feminista punk a mãe apaixonada. Os Normais, Saia Justa e todas as faces da artista Fernanda Young, que sacudiu a televisão brasileira e se tornou uma das vozes mais importantes da sua geração”. Veja aqui: https://www.youtube.com/watch?v=sNNuu8T0RIg

Recomendo muito o filme “Foge-Me ao Controle”, dirigido por Suzana Ribeiro. Eu não cheguei a ser amigo da Fernanda nessa época – como algumas das pessoas que citei, foram. Mas logo quando comecei a desenvolver uma personalidade própria e me tornar de fato uma pessoa (uns 13 anos), começar a sair para a vida em Niterói, lá estava ela: dando seus primeiros passos. Eu a observava, vi declamar nuns destes saraus que também declamei. Se não me engano foi num bar menos cotado que se chamava Sakuleja, com K, no mesmo lugar onde funcionou um tal de Bar Alfacinha – que não é da minha época. Rua Presidente Backer. Mas só fiquei sabendo que ela estava sendo comentada na cidade por conta da tal matéria – que, inclusive me taxou como um jovem não humilde. Eu comprei na banca e comecei a rir da matéria, na época. Desculpe querido amigo jornalista Ney Reis, mestre dos mestres. Era engraçado mesmo.

Pouco depois Young pegou até um papel pequeno como atriz, na novela O Dono do Mudo, na Globo (1991).Escreveu seus livros e seguiu. Só fui entender que ela tinha sido cria de uma família disfuncional depois de ver o documentário – mostrando como ela se dividia entre “mãe em Niterói e pai no Rio”. Começou a frequentar a boate Crepúsculo de Cubatão e, lá, conheceu o marido.

Depois ela conquistou São Paulo e virou filha do coração da Rita Lee. O círculo se fechava, cada vez mais eu entendia um pouco da fascinante personalidade da Fernanda Young. Acho que nunca vou deixar de descobrir um pouquinho mais – já que não li todos os livros dela ainda.  Basta pegar e ler, que ela vai estar ali, no livro. Para quem não lê muitos livros e não tem esse bom hábito, basta assistir Os Normais (série da TV Globo, em cartaz no Globoplay) e agradecer a Deus as interpretações magnânimas dos brilhantes atores Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães. A criação e o roteiro são de Fernanda Young e seu marido e parceiro, Alexandre Machado. Ela também apresentou programas próprios no canal GNT (como o hilário Irritando Fernanda Young) e até na Playboy saiu. Não deixou de fazer absolutamente nada do que quis – sabendo da finitude humana e servindo de exemplo pra diversos artistas, sejam eles de Niterói ou não.  Aliás, ela não falava muito isso que era “de Niterói” e a cidade também nunca lhe prestou as devidas reverencias. Mas aí é outra história. Ficam os livros, os programas, o seu jeito único e esse documentário, que se aproxima bastante do que ela representou na Terra.

Beijos e abraços a todos os leitores. Até a próxima coluna.

Leonardo Rivera

Atuante no jornalismo fluminense desde a adolescência, Leonardo Rivera teve passagens por jornais de sua cidade, Niterói – como os saudosos LIG e Opinião, além do diário A Tribuna. Tornou-se diretor artístico da área musical no final dos anos 90, tendo trabalhado na Universal Music com grandes nomes da nossa música, e em seguida criou um selo para novos talentos. Também se tornou escritor, ao lançar a biografia sobre Seu Jorge (2015) e participar da equipe da autobiografia de Luiz Fernando Guimarães (2022). Segue dirigindo o selo musical, colaborando com biografias e veículos de comunicação.