HABITAÇÃO – O Brasil, como a maioria dos países em desenvolvimento, enfrenta um grave problema de habitação urbana com a proliferação de favelas e cortiços, principalmente, nas grandes cidades. Este foi um dos temas do relatório “Cidades do Mundo” divulgado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU – Habitat). Numa tentativa de minimizar essa questão, dois projetos voltados para a habitação social da Escola de Arquitetura e Urbanismo (EAU) da Universidade Federal Fluminense receberam menção honrosa no Seminário e Exposição da Produção Universitária em Habitação de Interesse Social, o Expo HIS 2016.
Os trabalhos foram desenvolvidos na disciplina “Projeto de Educação Popular”, voltada exclusivamente para a abordagem da habitação social. O primeiro projeto foi o “Deixa Falar”, das alunas de graduação Ana Clara Vargas, Gabriela Carvalho e Luisa Salles, sob a orientação do professor Gerônimo Leitão. O segundo foi o “Lavradio Modular”, do aluno Christian Claude Rebello Guitton, orientado pelo professor Ronaldo Brilhante.
Durante anos, essa disciplina é trabalhada em parceria com prefeituras, associações de moradores e órgãos do Governo do Estado que apresentavam demandas, sendo selecionadas aquelas prioritárias para a formação dos alunos. Isso é o diferencial da EAU da UFF quando comparada a outras universidades do país, já que existe a preocupação em propor construções e infraestruturas urbanísticas em contato com a realidade econômica e social do local.
Nos últimos anos, a produção dos alunos está voltada a projetos habitacionais que tenham uma perspectiva crítica com relação ao programa “Minha Casa, Minha Vida”. “Tínhamos muitas expectativas quando foi lançado pelo Governo Federal, e mesmo que seja significativo ao prover moradia para os setores da sociedade excluídos do mercado imobiliário, é lamentável do ponto de vista da qualidade da moradia e do ambiente construídos”, constata o professor Gerônimo.
“E, para nós, arquitetura não pode ser um privilégio de classe”, afirma Gerônimo Leitão.”
O “Deixa Falar” consiste na adoção do contêiner como um elemento construtivo de habitações sociais. É um material de baixo custo, tendo suas características estudadas de modo a adequá-lo para seu uso distinto daquele que originalmente havia sido projetado. Foi proposto para a região da Rua Frei Caneca, no Centro do Rio de Janeiro, na tentativa de requalificar o espaço que ficou desvalorizado por conta do presídio existente nos arredores.
“A presença da penitenciária inibia, por uma série de razões, construções habitacionais e comerciais. Com a perspectiva de demolir o prédio e criar um empreendimento habitacional, o objetivo é a contribuição para a valorização da rua, que tem um papel importante na conexão entre a Zona Norte e a área central da cidade”, relata Gerônimo Leitão.
O maior desafio das alunas é preparar esse material de modo a romper com as reações culturais dos moradores desse conjunto, para que o espaço seja considerado tão adequado como uma construção convencional. A outra proposta seria a de realizar uma conexão da rua com o Morro de São Carlos, oferecendo uma alternativa de acesso para os moradores da comunidade através de um elevador ou escada rolante.
O “Lavradio Modular” também focou nas pessoas com rendas que variam entre zero e três salários mínimos, fazendo um mapeamento das famílias que moram em locais de risco no Centro do Rio, como o Morro da Providência, o Morro da Pedra Lisa e o Morro do Pinto. “A preocupação do estudante foi pensar em um projeto que possibilitasse construir uma habitação com qualidade e integrada ao espaço do entorno”, conta o professor Ronaldo.
O exercício foi realizado em um terreno da Rua do Lavradio, onde existe uma grande demanda de comerciantes que ocupam o local em momento de feira e festividades. A ideia é criar um elo entre esse caráter festivo e comercial da rua com as novas moradias.
Os dois projetos “rompem” com os parâmetros do programa “Minha Casa, Minha Vida”, ousando no diálogo com a cidade. São voltados para regiões distintas, mas que têm em comum a questão da impossibilidade de se pensar exclusivamente na habitação. Neles a preocupação com o conjunto e com todo o espaço urbano é fundamental.
As principais críticas dos docentes e alunos envolvidos em relação ao programa dizem respeito a sua padronização, que tem os mesmos parâmetros em todo o país com dimensões continentais como o Brasil, além da má qualidade da construção. Portanto, as diferentes realidades climáticas, socioeconômicas e culturais não são consideradas. “Isso é um problema na visão que se tem de habitação social no nosso país, em que para os pobres tudo é possível. Se há água corrente, esgoto e um teto, isso é considerado como algo de qualidade. E, para nós, arquitetura não pode ser um privilégio de classe”, conclui Gerônimo Leitão.
Fonte: uff.br