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Origem da rua da Conceição, em Niterói

Cultura Niterói
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Antes de 1700 todos os atuais bairros de nosso município tinham suas igrejas em torno das quais ia-se formando um núcleo de moradias que de povoado civil passavam a paróquia – ou curato -, a freguesia eclesiástica, formando cada um, distritos de paz.

O mais rico em igrejas e capelas era a freguesia de Icaraí (Icarahy), que possuía: a de São João Baptista de Icarahy (1660), no morro do Cruzeiro; a da Boa Viagem (1663); a de São Domingos (1652); a de N. S. das Necessidades (Rosario, 1664); a de São Francisco Xavier (1696) e outras capelas particulares. No sítio propriamente denominado Praia Grande, que compreende ao hoje Centro da cidade, só havia a capela de N. S. da Conceição (1663), independente da de São Lourenço (1626).

J. C. R. Milliet de Saint-Adolphe, em seu Dicionário Geográfico Histórico Descritivo do Império do Brasil (1845), da antiga capela da Conceição, disse: “A povoação appelidada Praia Grande não foi durante muito tempo outra cousa mais que uma capella de invocação de N. S. da Conceição, fundada em 1671, com algumas casas derramadas na praia arenosa e movediça e só depois de 1815 é que começou a crescer com a presença do Príncipe regente, que ahi foi passar revista a divisão portugueza que partia para Montevidéo.”



Monsenhor Pizarro em sua obra “Memórias Históricas do Rio de Janeiro” acrescenta: A capella da Conceição foi fundada por Antonio Correia de Pinna, homem pardo, a quem chamavam Pai Correia, com esmolas adquiridas dos fieis devotos da mesma santa, num sitio concedido pelos herdeiros de Ararigboia, como consta da escriptura celebrada a 27 de Agosto de 1671, sob o alpendre da Ermida de São Domingos. Existia esse templo antes de 1630, o que se verifica pelo legado de cinco mil réis deixado á mesma capella por José Gonçalves em testamento com que falleceu em 30 de Dezembro do anno supra. Em 1770 era seu patrimonio estabelecido na quantia de 400$000, administrado por uma irmandade erecta neste ano.”

Mais de uma vez esta capela foi reformada, quer pelo esforço da Confraria que a administrava, quer da então Província do Rio de Janeiro que lhe concedia loterias para auxilia-la, bem como ao cemitério conjunto que lhe pertencia e que foi cemitério público até 1848.




O precioso Museo Pittoresco, de 1848, entre antigas gravuras do município, traz uma da capela de N. S. da Conceição, obra de J. Schutz.

Gravura de J. Schutz publicada em Museo Pittoresco, 9 de dezembro de 1848



Ali esteve D. João VI em 1816, quando veio pela primeira vez à Praia Grande e assistiu a primeira cerimônia religiosa celebrada em “Nictheroy” em presença da Corte do Brasil. Ganhou a Igreja fama e acabou por atrair a atenção da população do modesto povoado de São Domingos e Praia Grande, então diretamente ligado à Capital Federal. Outros fatores, no entanto, mudaram o eixo de desenvolvimento do território que hoje conhecemos como Niterói.

Os portos de Icaraí e São Domingos eram de difícil embarque, os de São Lourenço alagadiços e com caminhos por encostas estreitas, caminhos de indígenas. Pela rua Conceição desembocava-se na Praia Grande, cujas vantagens o próprio nome indica. E por aí fez-se a primeira rua da Vila, via de fundamental importância no século que moldou a trajetória urbanística da cidade.



A Conceição foi a decana das 36 ruas, largas, e travessas do arruamento criado em 1820 para o então primeiro distrito da Vila que teve em José Clemente seu primeiro alcaide, Juiz de Fora.

Recorte de Carta Topográfico de 1833

A rigor, as primeiras casas ali edificadas datam de antes de 1660, mas nenhuma delas mais existia no fim do século XIX, a não ser a Igreja de N. Senhora da Conceição, reformada, reconstruída, ainda a pousar branca no alto do antigo morro de São Domingos, como então era chamado o atual morro da Conceição. Neste tempo e ainda muitos anos depois, era o caminho da Conceição a via mais curta e transitável para se ir, a cavalo, da Praia Grande para as fazendas do Portão Vermelho (Santa Rosa), Cubango, Calimbá, Icaraí e São Lourenço.

Caminho cortado pela estrada por onde percorriam mercadorias de São Lourenço a São Domingos. Caminho que margeava o Campo de Dona Helena, local onde D. João VI comemorou seu aniversário em 13 de maio de 1816.

Para a população branca de então, a travessia entre a igreja e a atual Marques do Paraná, era perigosa, por, entre bosques alagadiços, répteis e jacarés, e não poucas vezes sujeita a assalto de quilombolas, escondidos nos morros vizinhos.



Nesta época, vinha o mangue de São Lourenço – hoje aterrado – até a base do morro da Pedreira (hoje da Detenção ou parque das Águas), alagando toda aquela zona, e a represar o rio dos Passarinhos até próximo à rua da Conceição. No local que ficou conhecido como Campo Sujo, depois de urbanizado na década de 1910, se fez surgir a Praça da República e o Centro Cívico do então governo da Província.

Os lugares mais próximos à igreja foram então sendo povoados. Por ficar esta parte da cidade mais central entre São Lourenço e São Domingos, por ser a patrona da Igreja a querida N. S. da Conceição, e onde de preferência todos queriam ser sepultados, em pouco tempo aquela região centralizou todo o movimento comercial de transporte por mar e terra dos bairros vizinhos e até a Corte.




Na embocadura da praia havia um cais para carga e descarga de faluas, e, pela restinga adentro, as primeiras casas de telha e palhoças pontuavam a estrada que mais tarde havia de se chamar rua da Conceição.

Foto aérea do Centro de Niterói, com a rua da Conceição, tendo como destaque o Palácio Arariboia.

Em 1810 em toda restinga da Praia Grande só havia 40 casas, em sua maior parte, avizinhando-se da Igreja em frente da qual estendia-se um pátio já chamado Largo da Conceição. Após a visita de D. João VI, e a esperança de se erigir o sitio à vila, deu tamanho desenvolvimento ao povoado que em 1820 o Vigário da freguesia de S. João Baptista, José Joaquim de Avilla, apresentava à Câmara o seguinte recenseamento: 786 casas!



Contra o primitivo alinhamento oficial da rua da Conceição, de 1820, os moradores dela protestaram e representaram junto ao Ouvidor da Comarca, Nicolau da Silveira Queiroz, em abril de 1824. Em resposta a este, a Câmara esclareceu toda a história de seu arruamento. Ouçamos a informação da Câmara.

“A Câmara transacta querendo dar á mencionada rua uma direção que poupasse despezas ao Conselho, passou a fazer o arruamento a que deu motivo a queixa dos moradores. Este arruamento que a Câmara fez só por este bem intencionado motivo, tira, certamente a beleza á rua, pela grande obliquidade que lhe dá e é prejudicial a alguns proprietários, porque entra pelo terreno de uns com estragos de benfeitorias e a outros tira a vista aos prédios que ficam bastantemente recuados, porque o alinhamento avançou para a antiga rua, vinte palmos pouco mais ou menos.




O antigo arruamento que a planta da Villa designa, dando, com effeito, uma direcção recta á rua, que por isso ganharia uma bizarra perspectiva, hé com tudo quasi inexequivel, por ser muito dispendioso ao Conselho e prejudicial a proprietarios. – Despendioso ao Conselho, porque era do plano da Villa que se rasgasse a aba do monte da Conceição até ao adro da Capella, demolindo-se as escadas que a ella enfrentam e fazendo outras, lançadas para os dois lados da mesma Capella”.



Prejudicial aos proprietarios, porque indispensavelmente se devião demolir algumas casas que ficam em meio da rua, entre ellas algumas de grande custo, como são as do Padre João Florêncio Medinilha, do Major reformado Felix Francisco Jordão de Vargas, ficando ao mesmo tempo, mui devassada pela parte posterior a de José Ignacio Coimbra. Ajuizamos, pois, que o mais commodo a esta Camara e útil aos moradores e proprietários hé não se seguindo o novo arruamento, pelos inconvenientes indicados, nem adoptar o do plano da Villa.

Segundo elle: descreve-se pelo lado do Sul huma linha recta desde a praia até o portão do Alferes João Nunes; este espaço, excepção da Praça do Pelourinho está já quasi todo com casas arruadas em simetria, do portão do dito Alferes João Nunes deve seguir outra linha recta até o cunhal da casa do major Felix F. Jordão de Vargas: se bem que estas duas linhas fazem obliquidade no dito portão, ella com tudo tão pequena e tão pouco consideravel que avista-se quasi toda a rua de um golpe de vista. O lado do Norte tem casas bem arruadas, de bom prospecto, desde a praia á Casa de D. Helena M. da Conceição, e dahi para adiante deverá a rua seguir o alinhamento que por mais accommodados ao local e aos proprietarios ora existentes que são os que estão com as frentes alevantadas e parte dos fundos construidos, de João Antonio Pinto, as de Nuno Vasco de Souza, de Bernardo José de Souza Queiroz, vindo a ser o dito arruamento prejudicial, tão somente, ao dito João Antonio Pinto.



Esta é a unica propriedade que poderá ficar sujeita a alguma alteração, segundo o arruamento que apontamos e que julgamos melhor em vez de que qualquer dos outros dois, quer o da Câmara transata, quer os dos moradores requerertes na conformidade do plano da Villa que prejudicam prédios e a própria Câmara.

Accresce ainda que este arruamento (final) deixa na frente da Capella da Conceição, onde começa a escada della, um largo que vem a ser util pela commodidade que apresenta para as funções publicas da Igreja que de ordinario se fazem na mesma Capella. Este é o nosso parecer que V. S. levará ao conhecimento de S. Magestade, etc. 28 de Abril de 1824. Em Juiz de Fora, Dr. Joaquim José do Amaral, João Pedro Meyer, M. Frias Vás. concellos, Victorino Alves da Costa – Escrivão: João Antonio Lopes.”

Foi na Igreja da Conceição que em 11 de Agosto de 1819 cantou-se pela segunda vez o “Te Deum” em Niterói, pois que o primeiro foi na Capela de São Domingos em 13 de Maio de 1816. Paralela à criação da Villa Real da Praia Grande, se decidiu migrar a Matriz Episcopal de Icaraí para a região escolhida para erguer o centro político da Villa.



Com efeito, na reunião dos vereadores de 21 de Agosto de 1819, ficou resolvido que “sendo de immediata congruencia e até de justa necessidade que esta Villa tenha no seio della a matriz de sua freguezia, do que deve resultar melhor serviço de Deus pela maior faccilidade que aos fiéis virá de concorrerem a ella, celebrando-se as Festividades Divinas da Igreja, e desta Camara com maior pompa e grandeza, convinha que a mesma matriz de que ora serve a Igreja de São João Baptista de Icarahy, se transferisse para a Capella de N. S da Conceição desta Villa, que tem sufficiencia necessidade para isto, e que para tratar trasladação se convidasse o vigario desta Freguezia, e o juiz e mais mesarios da supradita Irmandade da Conceição, por que materia graves etc. Ouvidas as pessoas citadas converam na transladação por melhor convir ao serviço de Deus, em maior commodo e bem temporal e Espiritual dos Fiéis, observando porém, o vigario, que sob condicção de que se lhe conservasse os seus direitos Parochiaes, o que foi acceito. ”

Tratou-se em seguida de alargar o então íngreme caminho que cortava o morro da Conceição, para a passagem da procissão de transladação. Como se vê, foi a primeira rua bonificada na nova Vila.



Foi num velho prédio deste mesmo morro, que o primeiro Ouvidor Geral Joaquim José de Queiroz, em 1819, celebrou a sessão para instalação da Vila e outras sucessivas até edificar-se a casa da Câmara. E neste mesmo ano iniciou-se o aterro de retificação da famosa rua, além do conduto da água do morro do Calimbá – no hoje bairro de Fátima – para o centro da Vila em construção. Em 1826, a Câmara deliberou abrir ali um poço d’água potável para a população, poço que existiu até meados do século XX.

Pelo plano da cidade de 1840, a rua da Conceição seguia em linha reta pelo brejal antigo (Campo Sujo) até a Estrada do Calimbá, depois rua da Diamantina, atual Marques do Paraná. Como ainda hoje é visível, fazia um ângulo por entre o morro que foi talhado, já no início do século XX, depois da igreja. A esta parte angulosa, em meados do século XIX deram o nome de rua Dr. Celestino.




Largo da Rua da Conceição, antiga Praça Martim Affonso. Desaparecido na década de 1940

Durante muito tempo foi a rua da Conceição o centro de toda a indústria e comércio de Niterói. As festas de sua igreja foram notabilíssimas e era no Largo do Capim (no logradouro onde foi construída em 1909 o Palácio Arariboia) e na antiga Praça Martim Affonso (largo na esquina da Visconde do Rio Brando, desmontado na construção da Amaral Peixoto) que se enforcavam os pretos escravos, noutros tempos.



Depois, a rua da Conceição começou a decair.

Com o tempo, o comércio migrou para o lado da antiga “Ponte”, construída próxima à atual Marechal Deodoro, até que com a construção da Estação da Cantareira, em frente à sua embocadura, em 1908, novamente agitou-se e desenvolveu-se o antigo polo do progresso de Niterói.

Em 1909, o prefeito João Pereira Ferraz mandou construir, no antigo Largo do Capim, o edifício que iria abrigar a Prefeitura da Cidade, passando a rua da Conceição a ser o centro político e administrativo da cidade. Na década seguinte, a insalubre região conhecida como Campo Sujo foi urbanizada e nela construída o Centro Administrativo do Estado em torno da Praça D. Pedro II, anos depois foi rebatizada de Praça da República.



Mesmo com a abertura da Avenida Amaral Peixoto, nos anos 1940, a rua da Conceição mantém-se como uma fundamental via de integração entre a Estação das Barcas e as Zona Sul e Norte, assim como continua a ser um importante centro comercial da cidade.

Obs. Nesse artigo, foram citados documentos oficiais disponibilizados por Manoel Benício no Jornal O Fluminense de agosto de 1919. Imagem de capa da revista Fon-Fon, de agosto de 1921. Esquina de Conceição com Rio Branco.

Por Cultura Niterói